JURISPRUDÊNCIA

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de setembro de 2021, (processo nº 273/19.5T8LSB.L1-2), relatado por Jorge Leal

Sumário:

  1. As pessoas coletivas beneficiam da proteção da sua honra, bom nome ou consideração, na medida ajustada à sua natureza e aos seus fins.
  2. A tutela da honra, bom nome ou consideração poderá ceder perante o exercício legítimo da liberdade de expressão e informação.
  3. III. A publicação, pela R., de um estudo sobre azeites comercializados com a classificação de “azeite virgem extra”, no qual se dá conta de que amostras do azeite vendido pela A. sob uma determinada marca haviam revelado, após serem sujeitas a análises laboratoriais, as características de “azeite virgem”, e não as de “azeite virgem extra”, com que eram comercializadas pela A., atinge a A. no seu crédito e bom nome.
  4. Porém, no caso destes autos tal ofensa é aceite pelo Direito na medida em que:
    a) A aludida publicação foi efetuada no exercício da liberdade de informação, incidindo sobre um assunto de interesse coletivo (qualidade de azeite para consumo), em defesa dos interesses dos consumidores, cujo direito à informação está expressamente consagrado no art.º 60.º n.º 1 da CRP;
    b) A aludida publicação foi antecedida de um cuidadoso processo de recolha e de análise de amostras e traduziu-se num texto que se atém a uma descrição objetiva do método utilizado, seus pressupostos, fins e meios, com a explicação dos parâmetros relevantes e a explanação do significado dos resultados obtidos.
  5. Pretendendo a R. efetuar uma averiguação acerca da qualidade de determinado produto alimentício posto à venda por profissionais, destinado ao consumo, deve rodear-se dos cuidados necessários para que os resultados não sejam adulterados por condições alheias às características intrínsecas desses produtos, não imputáveis ao produtor/comercializador.
  6. Porém, incidindo o estudo sobre bens de consumo colocados no mercado à disposição do consumidor, não será exigível que as amostras a examinar sejam alvo de um nível de qualidade de exposição, armazenamento e transporte superior àquele que em regra é aplicado aos itens postos à venda pelo respetivo produtor e pela cadeia de transporte e comercialização por ele utilizada.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de maio de 2016, (processo nº 73/16.4PFCSC-A.L1-5), relatado por Vieira Lamim

Sumário:

  1. Os arts.187 a 189, do CPP, regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei nº32/2008, de 17Julho;
  2. O suspeito pode não ser determinado, mas tem de ser determinável, o que, em caso de desconhecimento da sua identificação, pressupõe a existência de dados factuais tendentes à sua individualização, não sendo admissível que sejam consideradas suspeitas de determinada acção criminosa, todas as pessoas que se encontrassem em local e tempo compatível com a prática dos factos;
  3. Não estando identificado o suspeito, só com a concretização do alvo é possível determinar os dados a transmitir, de modo a evitar devassa intolerável na privacidade de pessoas em relação às quais não existam quaisquer indícios da prática de um crime;
  4. No caso, não identificando o recorrente o suspeito, nem concretizando os alvos geradores dos dados que pretende obter, não pode ordenar-se às operadoras de telecomunicações o fornecimento dos dados produzidos pelos cartões SIM e IMEIS de todas as pessoas que tiveram o seu telefone ligado em determinado tempo e local.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de abril de 2016, (processo nº 2903/11.8TACSC.L1-3), relatado por Carlos Almeida

Sumário:

  1. O conceito de subtracção, elemento do tipo objectivo do furto, analisa-se em dois elementos: na perda de detenção por parte do detentor originário e na constituição de uma nova detenção por parte do agente.
  2. O momento da constituição da nova detenção divide, de há muito, a doutrina e a jurisprudência. Do simples contacto com a coisa (teoria da “contretação”, do latim “contrectatio”), passando pela colocação da coisa sob o controlo de facto e exclusivo do novo detentor (teoria da apreensão, do latim “amotio”) e pela deslocação da coisa do local de domínio do anterior detentor (teoria da ablação, do latim “ablatio”), até à exigência de que a coisa seja transferida para a esfera de domínio do novo detentor (teoria da ilação, do latim “illatio”), tudo são concepções que historicamente têm sido defendidas, se bem que as duas teorias intermédias sejam as preferidas, em geral, pelos autores e pela jurisprudência.
  3. O crime de furto é um daqueles em que a consumação formal, que ocorre no momento da subtracção, não coincide com a consumação material ou terminação, que apenas acontece quando o agente se apropria da coisa, quando ele alcança o seu objectivo último. Trata-se, portanto, de um crime de consumação antecipada.
  4. Do ponto de vista subjectivo, o tipo, para além do dolo, que tem como referência os elementos do tipo objectivo e é admitido em qualquer das suas modalidades, exige a intenção de apropriação, elemento subjectivo que vai para além do tipo objectivo.
  5. O crime de furto consuma-se, portanto, quando o agente subtrai dolosamente uma coisa móvel alheia com intenção de vir a apropriar-se dela. É um crime imperfeito de dois actos. Para a consumação basta a prática do primeiro (a subtracção) com a intenção de o próprio agente, num momento posterior, vir a praticar o segundo (a apropriação).
  6. Entre o momento da consumação formal e o da consumação material, ou seja, entre a subtracção e a apropriação, existe um lapso de tempo, mais ou menos longo, tudo dependendo do caso concreto e da concepção que se adoptar quanto ao momento da subtracção.
  7. A co-autoria exige que o contributo dado pelo agente se reflicta num momento situado entre o do início da tentativa e o da consumação do facto, não bastando para tal que o contributo se reporte à fase preparatória.
  8. Mesmo para quem sustente que o contributo dado por um terceiro entre a subtracção e a apropriação ainda pode ser qualificado como uma forma de comparticipação no crime de furto, o certo é que qualquer comportamento que venha a ter lugar para além do momento da apropriação apenas pode consubstanciar a prática de um outro tipo de crime, nomeadamente o de receptação.
  9. Para que o Ministério Público tenha legitimidade para promover um processo por um crime semi-público, como é o furto simples, é necessário que o ofendido ou uma das outras pessoas para o efeito indicadas na lei lhe dêem conhecimento dos factos pelos quais pretendem que seja exercida a acção penal – artigo 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – «no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores» – n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal –, sob pena de esse direito se extinguir.
  10. Caso exista uma pluralidade de pessoas responsáveis pelo crime, «[a] apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes» – artigo 114.º do Código Penal –, assim como «[o] não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também não puderem ser perseguidos sem queixa» – artigo 115, n.º 3, do mesmo diploma legal.
  11. Da conjugação destas normas resulta que, no caso de existir uma pluralidade de pessoas responsáveis pela prática de um crime semi-público, o prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa se conta a partir do momento em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e, pelo menos, da identidade de um dos seus agentes.
  12. Se, nesse prazo, o titular do direito de queixa não exercer esse direito, o mesmo extingue-se, não obstante apenas ter tido conhecimento da existência ou da identidade dos outros comparticipantes mais tarde ou de, no prazo de 6 meses, não ter mesmo chegado a conhecer a identidade dos restantes responsáveis.
  13. Extinto o direito de queixa quanto a um dos comparticipantes, extinto fica o direito quanto aos restantes.
  14. Se, pelo contrário, o titular tiver exercido o direito de queixa dentro do prazo de 6 meses, contado a partir do conhecimento do facto e da identidade de um dos comparticipantes, essa queixa estende-se aos restantes.
  15. Um aparelho conhecido vulgarmente como “GPS tracker” contém, em geral, para além de um receptor de GPS, um módulo de comunicações que, através da utilização de uma diferente tecnologia (eventualmente GPRS), permite a transmissão dos dados obtidos pelo receptor para a empresa que instala e controla o aparelho, sendo os mesmos facultados, em tempo real, a quem contratou essa empresa através da utilização de um simples computador com ligação à internet, o que permite o acesso ao sítio da empresa e a obtenção dos dados que para ela vão sendo enviados.
  16. Estes aparelhos e as tecnologias que os mesmos utilizam permitem conhecer, pelo menos, a localização instantânea e precisa do veículo em que se encontram instalados, o percurso pelo mesmo efectuado, os tempos e locais de paragem, o período de funcionamento do motor e a velocidade a que o automóvel circula, podendo propiciar ainda, se tal for pretendido, a obtenção de um leque muito mais alargado de dados, a transmissão de mensagens escritas e o bloqueio da circulação da viatura.
  17. Os dados obtidos por cada um destes aparelhos constitui prova documental, tal como ela é definida pelo artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
  18. A questão que se coloca é a de saber se um meio de obtenção de prova com estas características, que não se confunde nem se equipara à intercepção das comunicações, é, entre nós, permitido, dada a ausência de lei que legitime a sua utilização, delimite os crimes que a admitem, estabeleça o procedimento a adoptar e fixe a competência para autorizar o seu uso e controlar todo o procedimento que tiver lugar.
  19. A resposta a esta questão deve ser negativa, em primeiro lugar porque um aparelho de geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspectos do seu regime.
  20. Não se compreenderia que a localização celular de um telemóvel estivesse sujeita aos apertados limites traçados pelos artigos 252.º-A e 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a geolocalização através de meios muito mais precisos fosse admitida sem qualquer limitação e sem controlo.
  21. A utilização destes aparelhos, pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia, cujo tratamento permite, e pela natureza dos mesmos, é susceptível de violar a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados.
  22. O conceito de vida privada é amplo e embora seja insusceptível de uma exaustiva definição, o seu conteúdo «vai para além dos estreitos limites inerentes à ideia anglo-americana de privacidade, que põe a ênfase no secretismo da informação pessoal e no recato do acto», abrangendo muitos âmbitos que extravasam a habitação e os domínios privados, atingindo mesmo «a zona de interacção de uma pessoa com os outros, mesmo num contexto público».
  23. Para além da violação deste direito fundamental, protegido pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, o artigo 35.º, n.º 3, da Lei Fundamental impede que os dados obtidos através desses aparelhos sejam objecto de tratamento informático, a não ser nos casos ressalvados na parte final desse preceito, o que constitui uma forma indirecta de proteger a própria privacidade.
  24. Por tudo isto, e não obstante o facto de a prova assim obtida não ter resultado da actividade dos órgãos de polícia criminal, deve entender-se que é proibida a valoração dos registos obtidos através dos dois geolocalizadores instalados pela assistente nos seus veículos sem consentimento os utilizadores dos mesmos, nem autorização da CNPD. É o que resulta do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
  25. A utilização dos dois geolocalizadores nas indicadas condições determina, como se disse, a proibição de valoração dos registos através deles obtidos, podendo também «contaminar a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova».
  26. Não implica, no entanto, como afirma o Tribunal Constitucional, «um ‘efeito dominó’ que arrasta todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas».
  27. Para que possam ser valoradas «é necessário que exista um clean path, um caminho lícito, que conduza às provas secundárias», parecendo «que nada obsta, obviamente, a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida».
  28. Partindo deste critério, a invalidade daquele meio de obtenção de prova impede, a nosso ver, a valoração dos registos obtidos pelos geolocalizadores e a valoração dos resultados das vigilâncias policiais efectuadas e das imagens recolhidas durante a sua realização uma vez que essas vigilâncias foram coordenadas com as informações sobre a localização dos veículos, obtidas através daqueles aparelhos.
  29. Impede também a valoração das declarações de natureza confessória prestadas por um dos arguidos porque o mesmo, para além de não se encontrar assistido por advogado, foi confrontado com os dados obtidos através dos aparelhos de GPS.
  30. Se se aceitarem, para o efeito, raciocínios hipotéticos, poder-se-á entender que as buscas efectuadas aos locais que eram utilizados por três dos arguidos e as apreensões então efectuadas não são atingidas por esse efeito-à-distância uma vez que esses arguidos foram indicados como suspeitos do crime logo num momento inicial, muito anterior ao da instalação dos geolocalizadores nos veículos, sendo as buscas um acto normal de investigação do fundamento da denúncia que, com toda a probabilidade, viria a ter lugar.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de dezembro de 2015, (processo nº 253/14.7 YUSTR -9), relatado por Maria da Luz Batista

Sumário:

  1. No processo contra-ordenacional vigora o princípio da verdade material que decorre do princípio da subsidiariedade do processo penal em relação ao processo contra-ordenacional
  2. Vigora, igualmente, o princípio da investigação pelo qual a autoridade administrativa ou o juiz têm o poder/dever de ordenar oficiosamente a produção de todos os meios de prova que entendam necessários para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nos termos dos artigos 54.º n.º 1 e 72.º n.º 2 do RGCO.
  3.  Nunca o tribunal poderá ser considerado “um terceiro”.
  4. Numa perspetiva da proteção de dados pessoais e à luz da LPDP, a comunicação dos dados pessoais constantes das gravações das chamadas ao Tribunal, para efeitos de prova da existência e teor das instruções transmitidas pelo cliente ao banco durante essas conversas, está abrangida na finalidade do tratamento de dados pessoais autorizado pela CNPD e consentido pela cliente e pelos trabalhadores do XXX, pelo que não é necessário qualquer consentimento adicional do cliente ou dos trabalhadores do XXX para a sua junção aos autos em conformidade com a LPDP.
  5. As reproduções fonográficas em causa constituem documentos das relações comerciais entre o banco e clientes que não colidem com a reserva da intimidade da cliente.
  6. Os contratos de crédito devem ser exarados em papel ou noutro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade; correcto é, por isso, o entendimento do Tribunal a quo exige que o contrato de crédito ao consumo seja celebrado por escrito e assinado; se as meras gravações áudio constituíssem suporte admissível, verificar-se-ia a impossibilidade de poderem ser lidas como é exigido pela norma, por estarem destinadas ao sentido da audição.
  7. A autonomia da figura da contra-ordenação continuada tem como suporte o princípio da culpa consagrado em diversas normas do RGCO, como o art. 1º, 8º e ss, 17º e ss.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de junho de 2015, (processo nº 7406/14.6TDLSB-A.L1-9), relatado por Guilherme Castanheira

Sumário:

  1. A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que, no caso, a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo: o interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la;
  2.  O interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade o recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori” e que “não tendo invocado qualquer interesse específico – um “concreto e próprio” interesse ou vantagem – na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas de aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso
  3. A gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização concedida pela forma prevista na lei processual”, não consubstancia intercepção telefónica, mas sim documento, in casu fonográfico, com as respectivas transcrições, as quais representam, obviamente, um documento escrito
  4. Os elementos apreendidos no âmbito de busca que não forem obtidos mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, não se podem considerar como sendo “provas nulas”.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de fevereiro de 2020, (processo nº 5407/16.9T8ALM.L1-6), relatado por Ana Azeredo Coelho

Sumário:

  1.  As pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis com a sua natureza, à prossecução dos fins para que exista, os direitos adequados à sua especialidade.
  2. A personalidade colectiva de que os municípios gozam permite considerar incluída na sua especialidade, ou, noutra terminologia, na sua natureza, o direito à protecção do bom nome, credibilidade, prestígio e confiança.
  3.  No caso de uma autarquia, o bom nome e a reputação estão indissoluvelmente ligados ao modo como cumprem com as suas competências e as exercem em prol de todos os munícipes e ao respeito escrupuloso pela ordem jurídca instituída, tendo decidido valor a imparcialidade de actuação, que é característica da administração, por dever próprio, e a ausência de motivações diversas das que resultam do exercício democrático do poder local, tal como desenhado na constituição e na lei.
  4. Em sede de colisão de direitos o primeiro critério a considerar, ou a primeira situação a excluir, é o da prevalência abstracta de um direito sobre outro;
  5. nexistindo prevalência, cumpre atender ao critério da concordância prática, na perspectiva de cedência recíproca, a qual implicando a restrição efectiva dos direitos, tem de operar em sede de ponderação concreta dos modos de exercício e dos valores envolvidos.
  6. Na ponderação deve partir-se do exercício pleno dos direitos em confronto, “experimentando” as necessárias restrições de um e outro, e testando-as à luz dos critérios constitucionais de restrição de direitos.
  7. Na aplicação ao caso concreto das restrições é de particular importância relevar os limites aos limites de direitos fundamentais colocados pela Constituição (dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, proibição do excesso, protecção da confiança) e os parâmetros testados ao longo do tempo na resolução do conflito que os critérios jurisprudencialmente construídos consituem.
  8. Na apreciação das restrições a direitos fundamentais colidentes, é essencial o confronto de conformidade com a jurisprudência do TEDH, nomeadamente visto o disposto no artigo 696.º, alínea f), do CPC, sem prejuízo da apreciação primária do direito interno, desde logo face ao princípio da margem de apreciação que cabe a cada ordenamento jurídico nacional.
  9. A liberdade de expressão, referida a assuntos fundamentais da vida em sociedade e de interesse público central para a democracia, que atinja o bom nome de uma pessoa colectiva pública, por matérias do âmbito da sua actuação nessa qualidade, existindo alguma verosimilhança de alguns dos factos afirmados e sendo outros conhecidos como falsos pelo autor das afirmações, pode ser objecto de restrição limitada à medida necessária à publicitação dessa falsidade, a expensas do Réu.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de janeiro de 2020, (processo nº 168/18.0T8LSB.L1-2), relatado por Farinha Alves

Sumário:

A partir do momento em que a própria Reportagem concluiu que o Estado não assegurava a colocação do segundo implante coclear, ficou completamente sem base a afirmação de que havia dois médicos suspeitos de desviar dezenas de crianças surdas do Hospital Público para uma Clínica privada, tendo em vista a realização de segundos implantes cocleares.

Pois que, então, o Hospital público não realizava segundos implantes.

Não existindo, até à data da reportagem, alternativa à sua realização no Privado.

Contra isto, nada de relevante poderia ser concluído com base na simples pendência de processos disciplinar, administrativo e de inquérito crime, visando os dois médicos referenciados na denúncia anónima.

Processos em relação aos quais nada mais era possível concluir, ou afirmar, do que a sua instauração e pendência.

Assim, se os autores da Reportagem tivessem avaliado, com um mínimo de atenção, a própria informação que recolheram, teriam percebido que o ora Autor, tal como o Dr. C… não podiam ter desviado qualquer criança surda do Hospital público para o Privado.

E esta Reportagem não teria existido, ao menos centrada nessa questão.

Posto isto, é pacífico que a Reportagem em causa ofendeu, de forma clamorosa, o direito ao bom nome, à imagem e à honra do Autor.

Situação que foi agravada pelos termos em que foi publicado o seu direito de resposta.

Cujo conteúdo foi antecipadamente anulado pela declaração da jornalista, que introduziu a respetiva leitura, transcrita no ponto 41 do elenco da matéria de facto.

Afigurando-se inequívoco que a atuação dos Autores da Reportagem foi gravemente negligente, em termos de merecer severa reprovação do direito.

Não se chegando a colocar aqui qualquer conflito entre os direitos ofendidos dos médicos visados na Reportagem e a liberdade de imprensa.

Posto que não existe o direito de divulgar informação infundada, sobretudo quando é tão gravemente lesiva dos direitos de personalidade de terceiros.

Pelo que assiste ao Autor direito a indemnização pelos danos causados, quer pela Reportagem, quer pela forma como foi divulgado o direito de resposta.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de outubro de 2019, (processo nº 71/19.6T8OER.L1-7), relatado por Maria Amélia Ribeiro

Sumário:

  1. Como é sabido, há um conjunto de normas jurídicas que estabelecem a proteção da correspondência em geral e, em particular, a correspondência coberta pelo sigilo profissional entre os Advogados.
  2. Tem-se entendido genericamente como segredo profissional a reserva que as pessoas devem guardar relativamente aos factos de que tomam conhecimento no desempenho ou como consequência do exercício das suas funções. Naturalmente que isso deriva da especial confiança que nelas é depositada no ambiente profissional.
  3.  Quem quer que aceda a correspondência eletrónica, entre Advogados, coberta pelo sigilo profissional, sem autorização dos seus autores, incorre em conduta passível de ser qualificada como crime e, por isso, trata-se de conduta manifestamente ilícita.
  4. Se a conduta originária (obtenção de informação protegida por sigilo) é uma conduta ilícita, decorre que o aproveitamento dessa informação – que pela sua própria natureza revela estar protegida por sigilo – não é passível de ser considerada uma conduta lícita.
  5. Não faria, de resto, qualquer sentido que uma entidade pudesse tirar partido económico de uma conduta passível de ser considerada criminosa por parte de uma terceira entidade.
  6. Na ponderação de que: (i) não se deteta que, com tal informação, se tenha pretendido acudir a qualquer interesse público do foro crime que pudesse dar origem a um acesso legítimo a tal informação, bem pelo contrário, sobressaindo o interesse económico da empresa que neste caso fez a divulgação da correspondência em causa, por um lado, e (ii) atendendo às regras aplicáveis, por outro, é legítimo concluir que o peso da proteção legal pende mais fortemente para o direito de proteção da correspondência protegida pelo sigilo profissional.
  7. Considerando aquelas mesmas regras ( maxime o art. 10º nº 2 da CEDH) e o sistema, tomado no seu conjunto, estamos perante balizas da convivência democrática que não se confundem com uma censura, que supõe sempre uma arbitrariedade por parte do censor.
  8. Tais regras estabelecem limites delineados em função dos interesses de todos, quer por leis da Assembleia da República, incluindo com funções constituintes, quer por instrumentos internacionais e europeus, subscritos por Estados que firmaram um consenso sobre essa matéria e em que Portugal é parte.
  9. Daí que seja de concluir que não padece do vício de desproporcionalidade a decisão de primeira instância que proíbe a publicação de um artigo jornalístico tendo como fonte a publicação na internet de emails trocados entre Advogados – obtidos através de hacking.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de dezembro de 2019, (processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9), relatado por Abrunhosa de Carvalho

Sumário:

  1. I- Nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor – a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 26º e 37º da CRP ), sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra.
    Atendendo a que a CEDH , como todo o direito convencional de que Portugal é parte contratante, tem valor infra-constitucional, mas supra-legal , na indagação sobre se determinada conduta constitui crime contra a honra há que ter em atenção o disposto nesta convenção, interpretada pela jurisprudência do TEDH , nomeadamente a produzida a propósito do art.º 10º, Liberdade de expressão;
  2. Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior – reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se  a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade”, a qual encontra o seu “fundamento essencial” na “irrenunciável dignidade pessoal”  ;
  3.  Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras – ou mesmo infundadas – que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça – contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições – com o jus puniendi do Estado.
    Naturalmente, este tipo de preocupações não implicam que se deva descurar a necessidade de adequada tutela do (também fundamental) direito à honra e, muito menos, o reconhecimento do direito ao insulto;
  4. Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas. Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social”;
  5. Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira “ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas;
  6. Assim não merece censura a decisão do Tribunal “a quo“ ao entender e sustentar na sentença que, no hipotético confronto entre dois direitos fundamentais– a putativa liberdade de expressão do recorrente e direito à honra da Assistente – deveria prevalecer concretamente o direito da assistente, justamente na medida em que os comentários do Recorrente ultrapassam a crítica sustentada, objetiva e equilibrada, constituindo antes uma ofensa gratuita e desmedida que não satisfaz qualquer propósito informativo ou crítico com utilidade nem constitui qualquer exercício lícito de um direito do recorrente – tais expressões jamais poderiam ser consideradas lícitas a coberto do alegado exercício do direito à liberdade de expressão sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana – enquanto princípio regulativo primário da nossa ordem jurídica, pois  para o cidadão médio as expressões “A senhora devia tomar mais banho, cheira mal!” e “Aquela jornalista com mau aspecto” são ofensivas, porque nelas “… não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas …”, isto é, não correspondem a qualquer crítica ao desempenho profissional da Assistente, que era o que estava em causa, mas são meramente depreciativas da sua pessoa, pelo que são ofensivas da honra e consideração;
  7. Logo tais expressões jamais poderiam ser consideradas lícitas a coberto do alegado exercício do direito à liberdade de expressão sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana – enquanto princípio regulativo primário da nossa ordem jurídica.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de dezembro de 2019, (processo nº 4477/14.9TDLSB-3), relatado por Adelina Barradas de Oliveira

Sumário:

A acção típica de um crime contra a honra consistirá numa manifestação (verbal ou escrita, por acção ou omissão) de menosprezo que seja idónea a afetar tal honra.

Para aferir se uma expressão ou um acto são objetivamente idóneos para afetar a honra de uma determinada pessoa, é indispensável inseri-los no contexto e na situação em que foram proferidos ou praticados.

Sabem os tribunais que não se deve considerar ofensivo da honra e consideração de outrem, tudo aquilo que o ofendido entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas sim apenas aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores, tendo por base o contexto e ambiência em que se passaram os factos.

O legislador português não instituiu qualquer limite ou regra para definir a linha entre o que e ofensa à honra e o que já não é.

Essa definição foi deixada à jurisprudência. E a Jurisprudência faz uso as sensibilidade e bom senso para ativar o Direito e procura nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciada.

O crime de injúrias é um crime cultural, as palavras têm a força que os movimentos culturais e sociais assim como os contextos em que são proferidas, lhes dão. Hans Welzel chama a esse factor de influência e modificação, interação social.

O Direito está intimamente associado à realidade de modo que factualidade e norma se correlacionam.

Na verdade o Direito é algo de vivo e tem de se adaptar às alterações, evoluções e mesmo involuções do dia a dia das vivências e condições humanas. Não queremos com isto dizer que a Honra vale menos hoje do que valia em 1959. Queremos dizer que se o conceito de honra se redimensionou ganhando peso em certas situações , noutras situações a noção de que não foi atingida, é clara.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de outubro de 2019, (processo nº 8033/18.4T8SNT-A.L1-7), relatado por Dina Monteiro

Sumário:

  1. No âmbito do Código de Processo Civil Revisto, ressalvadas as situações em que a prova é de todo proibida, prestado o consentimento pelo visado para a divulgação do conteúdo de uma conversa telefónica em que o mesmo interveio – sem que previamente tivesse conhecimento desse facto -, estão as afastadas as questões relacionadas com o sigilo de comunicações.
  2. Ainda que se entendesse que seria de aplicar ao caso as normas contidas no direito penal, da conjugação do disposto nos artigos 126.º, n.º 3 e 167.º do Código de Processo Penal sempre teríamos de concluir que ainda que o modo de obtenção da gravação telefónica pudesse considerar-se como ilícito – por poder configurar uma intromissão na vida privada do lesado -, com o posterior consentimento do lesado, sempre teríamos de concluir pela exclusão da ilicitude deste meio de prova.
  3. O facto de um comportamento estar tipificado como crime não permite, por si só, concluir pela ilicitude e culpabilidade do agente uma vez que pode haver causas justificativas que legitimem aquele comportamento.
  4. No âmbito de um processo cível, a junção de uma transcrição telefónica, em relação à qual temos o consentimento do lesado, reportada a uma conversa particular, versando um assunto também ele particular e de natureza cível – existência ou não de uma chamada telefónica, sendo o seu conteúdo reportado à existência de uma dívida entre as pessoas que mantiveram aquela conversa telefónica -, por não contender com a proteção dos factos que dizem respeito ao “núcleo duro da vida privada” (onde se inclui, naturalmente, “a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento de outras pessoas”), deve ser admitida e objeto de análise crítica, com os demais elementos constantes do processo.
  5. Autorizada a reprodução da conversa telefónica em Audiência, nada inibe a parte de proceder à sua transcrição e junção aos autos, sem prejuízo de a parte reagir a esta junção, fazendo uso dos meios de defesa que a lei lhe faculta, entre eles, a invocação da incorreção da transcrição e a falsidade do documento.
  6. Tendo presente o consentimento prestado pelo ofendido e o facto de o conteúdo da conversa telefónica reportar-se a factos pessoais, de natureza cível, não incidindo sobre “factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida”, sempre seria de concluir pela admissão do documento que transcreve essa conversa ao processo.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de setembro de 2019, (processo nº 1981/14.2TBOER.L1-2), relatado por António Moreira

Sumário:

  1. O consentimento a que alude o art.º 79º, nº 1, do Código Civil, para a difusão de imagem e voz num programa de televisão, há-de ser uma “manifestação de vontade livre, específica e informada”, tal como decorre da definição contida na al. h) do art.º 3º da Lei 67/98, de 26/10 (tendo presente que a difusão se inicia no final de Janeiro de 2013).
  2. Tal consentimento pode presumir-se a partir da conduta do titular desse direito à imagem (e voz), desde que esta se revele como inequívoca para a afirmação da aceitação da divulgação, nos termos em que a mesma ocorre.
  3. Estando os AA. a assistir a um espectáculo de comédia que estava a ser registado em vídeo para posterior difusão na S. Radical, no âmbito de um programa de televisão que se previa irreverente e ousado (como o eram e são os programas emitidos por esse canal temático), tendo tal registo e subsequente difusão sido previamente anunciado e podendo os AA. constatar que a respectiva captação de imagens abrangia também imagens dos espectadores, aí se compreendendo as reacções à actuação do cabeça-de-cartaz (como é comum em qualquer espectáculo), e tendo os AA. reagido com actos e palavras que dirigiram ao actor em causa, não podiam deixar de saber da possibilidade das suas imagens (e voz) assim captadas poderem ser difundidas no referido meio televisivo.
  4. Não tendo os AA. efectuado qualquer declaração no sentido de não aceitarem tal divulgação das suas imagens (e voz), até que a difusão tenha ocorrido, cerca de um ano depois da captação das mesmas, há que presumir o consentimento dos mesmos a essa divulgação pela R., no programa e canal identificados, pelo que não se assume a mesma como violadora do direito à imagem de cada um dos AA.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29 de junho de 2021, (processo nº 302/19.2T8MGL.C1), relatado por Sílvia Pires

Sumário:

  1. O direito à imagem é um direito autónomo com proteção constitucional, a par de outros direitos de personalidade, no n.º 1 do art.º 26º da Constituição da República Portuguesa, abrangendo, entre outros, o direito da pessoa não ser fotografada nem ver o seu retrato exposto em público sem seu consentimento.
  2.  O retrato de uma pessoa não pode ser exposto ou publicado sem o seu consentimento – n.º 1 do art.º 79º do C. Civil.
  3. O carácter inalienável e irrenunciável dos direitos de personalidade não impede, de facto, a sua limitação através do consentimento do lesado, admitindo-se, no artigo 81.º do CC, com carácter geral, a limitação voluntária dos direitos de personalidade.
  4. Podem, assim, as pessoas renunciar ou restringir os seus direitos de personalidade por via do consentimento, ficando com isso impedidas de invocar, depois, a ilicitude das lesões respetivas, numa espécie de concretização do brocardo ‘volenti non fit injuria’.
  5. Dispõe o art.28.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto (Lei da Proteção de Dados Pessoais), que “o empregador pode tratar os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar ou noutros regimes setoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo”.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de dezembro de 2020, (processo nº 1626/18.1T8LRA.C1), relatado por Luís Cravo

Sumário:

  1. A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa.
  2. Assim, quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata, isto é, impõe-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art. 10º da CEDH pelo TEDH.
  3. O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de proteção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
  4. A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de maio de 2020, (processo nº 39/18.0T9CLB.C1), relatado por Orlando Gonçalves

Sumário:

  1. A honra ou consideração, a que alude o art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, consiste num bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
  2. Para a correta determinação dos elementos objetivos deste tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos, mormente os antecedentes do facto, o lugar, ocasião, qualidade, cultura e relações entre ofendido e agente, de modo que factos, palavras e escritos que em determinados casos ou circunstâncias se reputam gravemente injuriosos, podem noutros não se considerar ofensivos ou tão somente constitutivos de injúria leve.
  3. O direito constitucionalmente consagrado no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição da República, de liberdade de expressão e informação, particularmente relevante no debate político, não se esgota na narração de factos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao “direito de opinião”, o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor.
  4. Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, consagrado no art.º 18.º, n.º 2 da nossa Lei Fundamental, do qual resulta que se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.
  5. Nestes casos de conflitualidade entre o direito à honra e o direito de expressão e opinião, como em todos os outros, não se deve impedir a ponderação entre os valores em conflito, podendo a emissão do juízo considerar-se justificada nos termos gerais previstos no art.º 31.º, n.º 2, al. b) do Código Penal.
  6. O que não sucede in casu, pois, tendo o agente conhecimento de que as imputações narradas na publicação constante do ponto n.º 4 dos factos provados, não correspondiam à verdade, e ainda assim quis praticar os factos, com consciência de que a sua conduta era punida por lei penal, tal actuação não se contém dentro dos limites do razoável no âmbito do debate político e dos objetivos que se visam com a campanha eleitoral nos regimes democráticos.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de setembro de 2019, (processo nº 214/16.1T9TND.C1), relatado por José Eduardo Martins

Sumário:

  1. O direito à palavra e o direito à imagem são bens jurídicos pessoais-individuais, tutelando liberdades fundamentais reconhecidas a qualquer pessoa no domínio exclusivo sobre as suas próprias palavras e imagem.
  2. I Não estando demonstrado, na matéria de facto dada como provada na sentença – reprodução precisa da descrição factual contida na acusação –, que haja sido recolhido o som e a imagem de uma pessoa certa e determinada, mas, tão só, que foi efectuada a captação de som e imagem de uma reunião de uma assembleia de freguesia, ocorre, desde logo, falta de tipicidade do próprio libelo acusatório, determinante da absolvição do arguido.
  3.  Acresce ainda:
    a) Em relação às palavras gravadas, sempre faltaria a verificação do inciso legal “não destinadas ao público” previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 199.º do CP.
    b) No que tange à recolha de imagens, a circunstância de nos situarmos perante o exercício de um “cargo público” excluiria a ilicitude da conduta (cfr. artigos 79.º, n.º 2, e 31.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP.
  4. O participante no debate político através da crítica, mesmo que esta se revele desproporcionada, rude, grosseira, indelicada, contundente, quiçá injusta, não tem de recear qualquer punição, pois a matriz fundamental da vivência democrática e livre pressupõe a mais aberta e desinibida discussão dos cidadãos sobre a adequada condução da coisa pública.
  5. O texto escrito – enviado, através de e-mail, pelo arguido aos assistentes enquanto membros de uma assembleia de freguesia, da qual o primeiro é também elemento integrante – “Não sei o que mais destacar em cada um de vós, se a vossa ignorância, se a vossa malvadez, se a vossa falta de cultura democrática; Para que fiquem a saber informo-vos que já dei entrada de um processo judicial contra cada um de vós e podem ter a certeza que este processo será ganho por mim, mesmo que tenham inicialmente a vosso favor juízes e procuradores incompetentes; far-vos-ei pagar os milhares de euros que já gastei neste processo, bem como pagar por tudo (…); Embora vos deseje uma longa vida para que possam sentir a vossa derrota colectiva, para mim, como pessoas que eram, deixaram de o ser. Serão para mim apenas deputados incompetentes e arguidos”, não incorpora expressões idóneas ao preenchimento do tipo objectivo do crime de difamação.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de dezembro de 2017, (processo nº 269/16.9PCCBR.C1), relatado por Vasques Osório

Sumário:

  1. A realização de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, como é entendimento maioritário, não é uma diligência obrigatória, apenas devendo ser determinada quando se torne necessária para a correcta determinação da pena ou da medida de segurança a aplicar.
  2. Quando a realização do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social seja relevante para a boa decisão da causa, a sua omissão constitui uma irregularidade, sujeita ao apertado regime de arguição previsto no art. 123.º, n.º 1, do CPP.
  3. Para a procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, não basta que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, não basta contrapor à convicção do juiz outra convicção diversa.
  4. Ressalvados os casos de prova tarifada, o tribunal decide de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes], sendo por isso necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida isto é, sendo necessária a demonstração de que a convicção expressa na motivação de facto da sentença quanto aos pontos de facto impugnados, é impossível e/ou desrazoável.
  5. A demonstração desta imposição de decisão diversa, recai também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.
  6. No julgamento da matéria de facto vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
  7. A valoração da prova não é mero arbítrio, antes exige do juiz uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos declarantes e depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.
  8. Na sentença em crise entendeu-se existir um concurso aparente entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada agravado, e um concurso efectivo entre o crime de extorsão na forma tentada e o crime de devassa da vida privada agravado.
  9. Se em regra, deve ser considerada a existência de um concurso de normas, quando a filmagem ilícita é feita para permitir a devassa da intimidade, os crimes estão numa relação de concurso aparente.
  10. Quando, como acontece nos autos, a filmagem ilícita é efectuada, não para devassar a intimidade da ofendida, mas para lhe extorquir dinheiro, e só porque esta não fez o pagamento pretendido, frustrando a extorsão, é que o filme é, posteriormente, publicitado numa rede social, devassando a sua intimidade, deve entender-se, a existência de um concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada.
  11. Porque o enriquecimento [ilegítimo] integra o tipo do crime de extorsão, usar o mesmo enriquecimento para preencher a agravação do crime de devassa da vida privada significaria uma dupla valoração da mesma circunstância.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de junho de 2017, (processo nº 1772/15.3T9LRA.C1), relatado por Orando Gonçalves

Sumário:

  1. Os indícios são as provas recolhidas no processo até ser proferida a acusação ou a decisão instrutória.
  2. O juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º 2 do art. 283.º do CPP, aplicável à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao Juiz na condenação.
  3. Quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou, os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
  4. A decisão de pronúncia, tal como a de acusar, não pode ser proferida de forma apressada ou precipitada, pois sujeitar alguém a um julgamento, para além do natural incómodo, pode ser causa, se não para o próprio, para outras pessoas, de desonra e de vergonha.
  5. Difamar mais não é que imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.180.º do Código Penal.
  6. Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos.
  7. Há que conciliar o direito à honra e consideração com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, ilimitados.
  8. Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.
  9. A liberdade de informar, no âmbito da imprensa, se justifica e se mede pelo direito do público a ser informado de todos os acontecimentos de relevância social.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de junho de 2017, (processo nº 2278/11.5TACBR.C1), relatado por Paulo Valério

Sumário:

  1. Em consonância com a linha de rumo percorrida pela jurisprudência do TEDH, a prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, não se compadece com situações em que certas afirmações, embora potencialmente ofensivas, prosseguem o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassam o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.
  2. A verdade noticiosa não significa, porém, verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objetividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade, sendo inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes.
  3. Aliás, a liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos, mas uma averiguação tanto séria quanto possível e, como é óbvio, salvaguardando sempre o direito de não dar a conhecer as fontes de informação, pois se a verdade de uma afirmação publicada não abonatória, relativa a uma qualquer pessoa singular ou colectiva, estivesse sujeita a uma averiguação posterior da sua veracidade como forma de aferir a sua eventual ilicitude, paralisar-se-ia a actividade jornalística, nomeadamente na área da investigação, em razão de queixas crime, acções cautelares, etc, e assim limitar-se-ia a liberdade de expressão e de informação.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de maio de 2016, (processo nº 148/12.9PBLMG.C1), relatado por Maria Pilar de Oliveira

Sumário:

São lícitas as imagens obtidas, através de câmaras de vigilância, em espaços destinados à vida estritamente privada, como o interior de habitações, pelos legítimos utilizadores de tais espaços, visando a defesa dos seus bens pessoais e patrimoniais – independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP -, desde que não digam respeito ao núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, bens fundamentais esses que nunca estarão em causa quando as imagens documentam a prática de crimes por agentes estranhos ao espaço e que nele se introduziram ilegitimamente.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16 de dezembro de 2015, (processo nº 15881/12.7TDPRT.C1), relatado por Maria José Nogueira

Sumário:

  1. Cabendo ao Estado, como tarefa fundamental – imperativo categórico – assegurar o ensino, promover, através da escola, a educação e, assim, contribuir, entre o mais, para o desenvolvimento da personalidade [artigos 9.º, alínea f) e 73.º da CRP], relatando a notícia jornalística condutas – de cariz sexual, descritas, fundamentalmente, em processo disciplinar -, que teriam sido levadas a efeito – no exercício das funções de docente da escola pública – pelo arguido, visando jovens alunos do estabelecimento de ensino, é manifesto o interesse público da publicação, produzida no exercício da função pública da imprensa e, assim, no âmbito do direito de informação que lhe está cometido.
  2. O conteúdo da notícia em questão realiza, no preciso contexto assinalado, interesses legítimos.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de novembro de 2015, (processo nº 245/14.6TACBR.C1), relatado por Maria José Nogueira

Sumário:

  1. Da queixa apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração de procedimento criminal, sem necessidade, quer da qualificação jurídica dos factos, quer da sua completa concretização, tão pouco se exigindo a identificação, total ou parcial, do(s) sujeito(s) ativo(s) do delito.
  2.  Quando a ofendida estende a queixa aos responsáveis de uma revista, por, segundo é referido, “terem elaborado, editado e publicado determinada notícia difamatória e injuriosa”, não pode deixar de se entender visar a mesma também o diretor daquele periódico.
  3. Ao invés do que sucede com os crimes de natureza pública ou semi-pública, nos crimes particulares, o Ministério Público surge numa posição de subordinação à do assistente, na medida em que a prossecução do procedimento, a sua introdução em juízo, fica garantida pela mão deste.
  4. Em conformidade, é, para tanto, irrelevante que o Ministério Público considere verificarem-se, ou não, suficientes indícios do crime em questão, e bem assim quem foram os autores do ilícito penal, porquanto o assistente pode acusar por outro(s) crime(s) de natureza particular e estender a acusação (particular) a outro(s) agente(s), que não o(s) indicado(s) por aquele Magistrado.
  5. Dada a subordinação acima assinalada – da posição do MP à posição do assistente -, no caso concreto versado nos autos, nada impedia a formulação da acusação particular – dentro dos limites delineados na queixa – também contra o director da publicação, tão pouco a circunstância de, findo o inquérito, a assistente ter sido notificada para, querendo, deduzir a dita peça processual apenas contra diversa(s) pessoa(s).
  6. Não tendo sido deduzida, pelo assistente, acusação particular contra um dos comparticipantes – o director da revista periódica (cfr. artigo 31.º, n.º 3, da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei 2/99, de 13-01, e alterada pelas Leis n.ºs 18/2003, de 11-06, 19/2012, de 08-05, e 78/2015, de 29-07), determinando o artigo 117.º do CP a aplicação das disposições legais anteriores, entre as quais as normas contidas nos artigos 115.º e 116.º do mesmo diploma legal, tal omissão, não estando expressamente justificada pela circunstância de o assistente concluir pela inexistência de indícios suficientes para estender a peça acusatória à referida pessoa, aproveita aos demais comparticipantes, em termos tais que o processo criminal não poderá prosseguir por renúncia tácita do referido direito (de acusação particular).

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de março de 2015, (processo nº 594/11.5T3AVR.P1.C1), relatado por Orlando Gonçalves

Sumário:

  1.  A prescrição do procedimento criminal traduz-se numa renúncia por parte do Estado a um direito, ao jus puniendi condicionado pelo decurso de um certo lapso de tempo. Passado um certo tempo depois da prática de um facto ilícito-típico deixa de ser possível o procedimento criminal.
  2. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso em apreciação, o prazo de prescrição do procedimento é de 2 anos; o ressalvado tempo de suspensão pode chegar aos 3 anos; e metade daquele prazo da prescrição é 1 ano; assim, o procedimento prescreverá sempre ao fim de 6 anos.
  3. Quando as deficiências da gravação não impedem, de modo algum, a captação do sentido das declarações prestadas, o Tribunal da Relação não se vê impedido de proceder à correcta avaliação das declarações do arguido e da assistente, e se o recorrente tiver impugnado a matéria de facto de acordo com o exigido no art.412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal nada impedirá a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento.
  4. Nos casos em que o recorrente, nem nas conclusões da motivação, nem na motivação do recurso, especifica as provas que impõem decisão diversa da recorrida, com referência aos suportes técnicos, não há que convidar o recorrente ao aperfeiçoamento do recurso sobre esta matéria de facto.
  5. Reapreciada a prova indicada pelo recorrente nas conclusões do recurso, o Tribunal da Relação conclui que a convicção a que o Tribunal a quo chegou para dar como provada a factualidade constante do ponto n.º 4 da sentença mostra-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova. Assim, não se impondo uma decisão diversa da recorrida, mais não resta que confirmar a decisão recorrida relativamente à matéria de facto, que se julga fixada tal como consta da decisão recorrida.
  6. As expressões “ covardes e corruptos” e “tenham coragem”, dirigidas a funcionários e vereador, são idóneas a lesar a honra e consideração do assistente, por serem adequadas a desprestigiar e diminuir o seu bom nome, quer perante si próprio, quer perante os outros cidadãos, que associam negativamente à personalidade tanto a covardia como a corrupção.
  7. Perante o desvalor da acção e do resultado e todo o quadro de circunstâncias referido, considerando que o arguido agiu com culpa elevada, que são razoavelmente acentuadas as exigências de prevenção geral para afirmação da eficácia da norma penal violada, e que não são despiciendas as exigências de prevenção especial, sendo a moldura da pena de multa do crime de injuria agravada de 10 a 240 dias, considera-se que a pena de multa de 140 dias que o Tribunal a quo aplicou ao arguido é equilibrada, tendo em conta os critérios legais, pelo que é de manter.
  8. Para fixação da taxa de multa em função da situação económico-financeira do arguido importa conhecer, essencialmente, o rendimento auferido pelo mesmo, de que o mesmo possa dispor, seja ele resultante do trabalho ou de património.
  9. Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de fevereiro de 2015, (processo nº 59/13.0TAGVA.C1), relatado por Elisa Sales

Sumário:

  1.  Nos termos e para os efeitos da previsão típica do artigo 180.º, n.º 1, do CP, a luta política apenas poderá relevar, como critério de justificação, em casos limite, situando-se, todavia, a potencial ofensa da honra e consideração numa relação directa com esse cenário participativo.
  2. Não estando em causa o debate político próprio de cidadãos livres exprimindo, embora com desassombro, as suas ideias, mas sim a ofensa pela ofensa, sem nenhuma relação com a dignidade e verticalidade que devem ser apanágio desse debate, inexiste crítica pública legítima, verificando-se antes atentado à honra e consideração pessoal do visado.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7f0f11e15f0c5d6880257dfd0051d1e5?OpenDocument&Highlight=0,honra

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de junho de 2014, (processo nº 718/11.2PBFIG.C1), relatado por Orlando Gonçalves

Sumário:

  1. Com introdução do n.º 2 do art.190.º do Código Penal, através da Reforma de 1995 – « Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação.» – e, posteriormente, com acrescentamento ao mesmo da expressão « ou para o seu telemóvel» através da Reforma de 2007, o legislador quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de telefone, sejam fixos ou móveis, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua receção emitem um som de aviso.
  2. Uma vez que “telefonar” significa comunicar pelo telefone e que resulta dos factos dados como provados que o arguido, a partir do seu telemóvel enviou para o telemóvel do ofendido, as mensagens cujo teor consta da mesma factualidade, e que ao assim atuar quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido, conhecendo e querendo a realização daqueles factos antijurídicos e agindo com consciência da ilicitude, preencheu com a sua conduta todos os elementos constitutivos dos crimes de perturbação da vida .

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de novembro de 2013, (processo nº 321/11.7TAPMS.C1), relatado por Frederico Cebola

Sumário:

Tendo o arguido enviado, via electrónica e através da sua página de facebook, uma mensagem difamatória para o facebook de quatro pessoas distintas, o comportamento descrito preenche apenas a prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, já que, o meio utilizado, de per si, não é idóneo a facilitar a divulgação do texto – e, assim, a agravar a conduta nos termos do disposto no artigo 183.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma -, porquanto não é livremente acessível a qualquer utilizador no mural do perfil do remetente.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bd9d865da705436380257c27004215b2?OpenDocument&Highlight=0,honra

 

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Maio de 2012 (proc. nº 311/08.7JFLSB.P2), relatado por Ricardo Costa e Silva

Sumário:

  1. A norma do artigo 187º do CPP ao regular um meio de produção de prova (escutas telefónicas) que, em si mesmo, constitui um meio de enfraquecimento da proteção de normas constitucionais – fazendo contraponto com o complexo sistema das proibições de prova – ultrapassa a natureza de mera disposição de ordem processual para assumir uma vertente objetiva que a converte numa norma processual penal material, não sendo por isso, de admitir, sob pena de violação do princípio da tipicidade, a sua ampliação ou extensão a tipos legais de crimes ali não previstos, ex.g. o crime de difamação.
  2.  Servindo, como servem, os “blogues” para difusão e troca de informação com destino ao público em geral, as comunicações neles realizadas não podem ser tidas como comunicações eletrónicas, no sentido de que estão abrangidas pela proteção de dados pessoais e da privacidade, configurando, antes, os crimes neles cometidos, uma situação relativamente à qual inexiste justificação para estender a proteção devida à intimidade da vida privada.

Link de Acesso:

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/682787691df72bae80257a1d004e9225?OpenDocument

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Março de 2017, (proc. nº 1064/12.0TVPRT.L1.S1), relatado por João Trindade.

Sumário:

  1.  No âmbito da violação dos direitos de personalidade, como o direito à honra e ao bom nome, para além de se colocarem problemas de colisão com outros direitos fundamentais, o juízo sobre a ilicitude deve ter em conta o princípio da unidade jurídica e daí que nas causas de justificação da ilicitude se imponha considerar o princípio da ponderação dos valores conflituantes na situação concreta, quando inseridos na titularidade de direitos subjectivos e no cumprimento de deveres jurídicos.
  2. A solução dos conflitos entre a liberdade de expressão e informação e o direito à honra passa pela sua harmonização ou pela prevalência a dar a um ou a outro, com recurso aos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação às circunstâncias do caso concreto.
  3. Existindo verdadeiro “interesse público” (e não meramente um “interesse do público”) em que a comunidade seja informada sobre certas matérias, o dever de informação prevalece sobre a discrição imposta pelos interesses pessoais; porém, a divulgação só justificará a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais na medida em que da mesma sobressaia o referido interesse, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas.
  4.  Não sendo as notícias publicitadas num jornal susceptíveis de levar à identificação dos envolvidos, não se pode dizer que tenha sido ultrapassado o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/196321235602295A802580F4003B4D70

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de Maio de 2015 (proc. nº 789/13.7TMSTB-B.E1), relatado por Bernardo Domingos

Sumário: A imposição aos pais do dever de «abster-se de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais» mostra-se adequada e proporcional à salvaguarda do direito à reserva da intimidade da vida privada e da protecção dos dados pessoais e, sobretudo, da segurança da menor no Ciberespaço.

Link de Acesso:

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7c52769f1dfab8be80257e830052d374?OpenDocument

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Novembro de 2013 (proc. nº 73/12.3TTVNF.P1.S1), relatado por Mário Belo Morgado*

Sumário:

  1. O conceito de «meios de vigilância à distância» expresso no n.º 1 do art. 20.º do Código do Trabalho de 2009 está reportado aos equipamentos que traduzam formas de captação à distância de imagem, som ou som e imagem que permitam identificar pessoas e detetar o que fazem, como é o caso, entre outros, de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico.
  2. O dispositivo de GPS instalado, pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respetivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho, nos termos definidos no referido preceito legal, porquanto apenas permite a localização do veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que faz o respetivo condutor.
  3. O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais.
  4. Encontrando-se o GPS instalado numa viatura exclusivamente afeta às necessidades do serviço, não permitindo a captação ou registo de imagem ou som, o seu uso não ofende os direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente a reserva da intimidade da sua vida privada e familiar.
  5. Existe justa causa para o despedimento do trabalhador quando está demonstrado que o mesmo, exercendo as funções de motorista de veículos de transporte de mercadorias perigosas, à revelia da empregadora, por 18 vezes, no período de 3 meses, conduziu o referido veículo para localidades fora do percurso determinado para o transporte da mercadoria desde o local de recolha ao local de entrega da mesma, o que se traduziu, não só, no acréscimo das distâncias percorridas e do período de tempo para o efeito despendido, suportados pela empregadora, mas, também, no aumento dos riscos derivados da circulação do veículo com combustível.

Link de Acesso:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e32eab3444364cb980257c2300331c47?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 2017 (proc. nº 23019/16.5T8LSB.L1-8), relatado por Isoleta Almeida Costa

Sumário:

  • A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04/11/1950, vigora directamente na ordem jurídica portuguesa ex vi do art. 8.º, n.º 2, da CRP, e em patamar inferior ao das normas constitucionais, mas superior ao das leis ordinárias devendo o direito interno ser aplicado de harmonia com a jurisprudência do TEDH, sobre este instrumento jurídico.
  • O Artigo 16º nº 2 da CRP impõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devam ser interpretados de harmonia com o que nela está consagrado a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) de 10/12/1948.
  • Vida intima e privada do indivíduo abrange a identidade da pessoa, isto é, o nome, a fotografia, e aquele círculo de actos que por serem pessoais, escolhas feitas longe da sociedade, podem ficar sob reserva do próprio, nomeadamente, o domicílio, as relações intimas e ou afectivas, os hábitos de higiene e outras práticas quotidianas, a partilha da habitação, a saúde, a situação financeira, fiscal, ou a responsabilidade penal.
  • O artigo 8º da CEDH garante o desenvolvimento integral da personalidade e da integridade física e moral de cada cidadão, sem ingerências exteriores.
  • A liberdade de expressão – liberdade de opinião e de revelar o seu pensamento, de informar e de ser informado constitui um dos pilares essenciais no estado de direito democrático (artº 10º nº1 da CEDH).
  • Quando a liberdade de expressão tem meramente fins de lazer ou divertimento, deve ceder, no conflito com o direito à reserva da vida privada (artº 10º nº2 da CEDH).
  • A limitação do direito à liberdade de expressão ou de qualquer direito fundamental deve observar o princípio da concordância prática, isto é, deve resultar da harmonização dos direitos por modo a que a restrição consista no mínimo necessário e adequado à salvaguarda do fim.
  • A ameaça de lesão continuada de um direito de personalidade é irreparável porquanto se trata sempre de um dano não patrimonial.
  • Viola o direito à reserva da vida intima e privada o autor de um livro de 263 páginas que numa dessas páginas identifica a requerente, refere que esta por vezes dorme na casa de um amigo do namorado onde este vivia, e que o namorado que também identifica tem um fetiche por fotografias dedicando-se a tirar fotografias das relações com a namorada que deixava a revelar em cima dos móveis e espaldas pelo quarto.
  • Nos termos do disposto no artº 376º nº 2 do CPC o tribunal não está adstrito às providências concretamente requeridas podendo escolher as que alternativamente melhor acautelem o direito ameaçado.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/26988FB6EF65C551802580DF0034F791

 

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Julho de 2021 (proc nº  2594/19.8T8VFR-A.P1), relatado por Paula Leal de Carvalho

Sumário:

  1. I – O segredo médico constitui pilar fundamental do exercício da actividade médica e tutela quer direito à reserva da intimidade da vida privada, que assenta na dignidade da pessoa humana, consagrado legalmente [em convenções internacionais, na CRP e na Lei ordinária – cfr. designadamente arts. 12 da DUDH, 8º da CEDH, 10º da CDHB, 26º e 32º, nº 8, da CRP, 16º do CT/2009, 195º do CP, 126º, nº 2, do CPP, bem como na Lei 12/2005, na Lei 117/2015 (EOM) e no Regulamento de Protecção de Dados Pessoais constante do Reg. (EU) 2016/679 e Lei 58/2019], quer a indispensável confiança na relação entre médico/doente, visando a protecção da confiança do indivíduo que, nele confiando, revela factos sigilosos.
  2. II – Os dados contidos nos processos/ registos clínicos de (outros) trabalhadores do empregador estão, nos termos do referido em I), sujeitos a sigilo médico, sem cujo levantamento o médico não os poderá juntar aos autos, mormente para prova dos factos constitutivos de infracção disciplinar que, no caso, foi imputada à trabalhadora/enfermeira.
  3. III – Em contraponto ao direito à reserva da intimidade da vida privada referido em I), releva, do ponto de vista do empregador, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo (art. 20º da CRP), na vertente do direito à prova, consubstanciando também interesse constitucionalmente protegido a boa administração da justiça (art. 202º da CRP), sendo que, no caso e na perspectiva da tutela dos interesses da Ré, está concretamente em causa o exercício do poder disciplinar, que lhe advém do contrato de trabalho celebrado com a A., poder esse que, em última análise, radica no direito constitucional à iniciativa privada (arts. 61º, 62º, 80º c) e 86º da CRP).
  4. IV – Face à colisão dos direitos referidos em I) e II), deve prevalecer o direito/dever de sigilo profissional, enquanto emanação do direito à reserva da vida privada e da dignidade da pessoa humana, não devendo o sigilo médico ser levantado.
  5. V – Não obstante, na medida em que os registos/processos clínicos não contenham a identificação, ou a possibilidade de identificação directa ou indirecta do titular dos dados [designadamente, nome, morada, categoria profissional, números de identificação fiscal, da Segurança Social, do SNS ou outro nos termos previstos no art. 4º, nº 1, do RGPD, designadamente número mecanográfico] entende-se dever ser de, na ponderação a fazer dos interesses e direitos tutelados e num juízo de necessidade e proporcionalidade, autorizar o levantamento do sigilo profissional [sendo, todavia, de esclarecer que não cabe no âmbito do presente incidente de levantamento de sigilo a emissão de pronúncia sobre a questão da validade e/ou admissibilidade, ou não, de produção da prova sem, ou com ocultação, dos elementos identificadores acima referidos].

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Maio de 2020 (proc. nº 3345/19.2T8MAI.P1, relatado por Maria José Simões)

Sumário:

I – O direito à honra colide frequentemente com o direito à livre expressão do pensamento, tendo ambos consagração constitucional.

II – O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoal humana, na sua dimensão relacional.

III – Assim um determinado conteúdo expressivo só deixará se ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta, de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

IV – A Jurisprudência do TEDU aponta para uma menor esfera de protecção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estão em causa assuntos de interesse público ou geral.

Link de Acesso:

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Abril de 2019 (proc. nº 14936/16.3T9PRT.P1), relatado por Francisco Mota Ribeiro

Sumário:

I – O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconhece a honra pessoal e a consideração como parte integrante do direito ao respeito pela vida privada na medida em que a entende como parte integrante da identidade pessoal e da integridade psicológica da pessoa humana.

II – No entanto, vem defendendo que, para haver uma violação de tal direito, o concreto ataque à honra ou consideração (“reputação”) terá de atingir um certo nível de gravidade, de molde a prejudicar o gozo daquele direito pois que só um determinado nível de gravidade permitirá que uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não possa ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão.

III – A condenação só pode ser aceitável na medida em que se mostre necessária, numa sociedade democrática, à proteção da reputação ou de direitos de outrem, devendo por isso, uma intervenção desse jaez, revelar-se concretamente necessária, proporcional e baseada numa interpretação razoável das normas do Código Penal.

IV – O vocábulo “necessário”, constante da norma do art.º 10º, § 2º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem deverá ser interpretado com o sentido de “uma necessidade social imperiosa”.

V – Afirma o mesmo Tribunal que “a liberdade constitui um dos fundamentos essenciais duma sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento pessoal de cada um”.

VI – Sem prejuízo do disposto no § 2º do art.º 10º, uma tal conceção de liberdade vale não apenas para as “informações” ou “ideias” acolhidas favoravelmente ou com indiferença, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou produzem inquietação.

VII – Pese embora, como resulta do art.º 10º, a liberdade de expressão esteja sujeita a exceções, estas, todavia, têm de ser interpretadas de modo estrito, assim como a necessidade de quaisquer restrições tem de ser estabelecida de modo convincente.

VIII – Tanto o direito à liberdade de expressão como o direito à honra têm consagração constitucional (art.ºs 37º e 26º da CRP), sendo que nenhum se pode afirmar absolutamente sobre o outro.

IX – Verificado que seja um conflito entre tais direitos, deverá procurar-se uma solução que não passará pelo estabelecimento de uma ordem hierárquica entre eles, mas antes pela realização ótima de cada um, harmonizando-os segundo um princípio de concordância prática.

X – Para que na atuação individual concreta se possa considerar a existência de um desequilíbrio voluntariamente criado, designadamente um excesso no uso da liberdade de expressão, em violação do direito à honra ou consideração, vistas as coisas à luz do direito penal, haverá sempre que ponderar a existência ou não de uma gravidade tal que justifique a aplicação de uma sanção penal.

XI – As afirmações que as arguidas produziram, dirigidas ao assistente, no âmbito de interrogatórios que lhes foram dirigidos como testemunhas, sobre factos que o assistente havia narrado para o processo, e sobre os quais, nessa qualidade, tinham de falar, fazendo-o de um modo que, no mínimo, poderá ser considerado contundente, utilizando expressões que, não sendo as mais adequadas em termos de correção, de educação e até de consideração pela pessoa visada, não são penalmente punidas.

Link de Acesso:

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cc981892fe476e628025840100338892?OpenDocument&Highlight=0,prote%C3%A7%C3%A3o,da,honra

 

Cour d’appel, Paris, Pôle 3, chambre 4, 9 Février 2017 – n° 15/13956 – Publicação de Fotografias do filho menor no Facebook sem consentimento de um dos pais.

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Acórdão do Tribunal de Relação de Évora, de 25 de Junho de 2015 (proc nº 789/13.7TMSTB-B.E1), relatado por Bernardo Domingues*

Sumário:

A imposição aos pais do dever de «abster-se de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais» mostra-se adequada e proporcional à salvaguarda do direito à reserva da intimidade da vida privada e da protecção dos dados pessoais e, sobretudo, da segurança da menor no Ciberespaço.

Link de Acesso:

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7c52769f1dfab8be80257e830052d374?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de Maio de 2016 (proc. nº 12/14.7SHLSB.L1.L1-5), relatado por Vieira Lamim*

Sumário:

  1. A videovigilância, nos dias de hoje, é um fenómeno omnipresente em espaços públicos e privados, de tal modo que, quando nos deslocamos pelas nossas cidades ou em espaços comerciais, todos sabemos que um número infindo de olhos eletrónicos, sem rosto e estrategicamente colocados, nos vigiam em contínuo, o que se justifica por necessidades de segurança e a racionalização de meios, através do aproveitamento de dispositivos tecnológicos em substituição de agentes de segurança;
  2. A valoração probatória de imagens obtidas por câmara de videovigilância instalada na entrada de um prédio particular, captando imagens da via pública e da entrada comum do prédio, pressupõe que a captação das mesmas não seja ilícita, nos termos da lei penal (art.167, do CPP);

III. A falta de parecer prévio favorável da CNPD, só por si, não torna a gravação ilícita, nos termos da lei penal, como exige o art.167, nº1, do CPP, uma vez que, de acordo com a Lei nº67/98, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27º e 28º, constituem o crime da previsão do art.43 dessa lei;

  1. Visando essas filmagens a realização de interesses públicos, designadamente prevenção criminal, existe justa causa nesse procedimento, por exigências de eficiência da justiça, o que afasta a ilicitude da sua captação e não atingindo dados sensíveis da pessoa visionada, que é vista a circular em local público, justifica-se apelo ao princípio da proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, devendo prevalecer a realização da justiça sobre o direito à imagem;
  2. Numa perspectiva de unidade da ordem jurídica, este procedimento encontra apoio, também, no art.79, nº2, do Código Civil, em relação a situações de falta de consentimento do visado, desde que exista uma justa causa nesse procedimento, designadamente, quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente;
  3. Imagens captadas em local de acesso público, mesmo na falta de consentimento do visado, não correspondem a qualquer método proibido de prova, por não violarem o núcleo duro da vida privada, avaliado numa ideia de proporcionalidade e por existir uma justa causa na sua obtenção e utilização, que é a prova de uma infracção criminal;

VII. Num mundo que se pretende cada vez mais transparente, em que se aceita como normal que o sigilo de operações financeiras seja cada vez menos protegido em nome de interesses patrimoniais, como sejam o do efectivo cumprimento por todos das obrigações fiscais, não seria compreensível a proteção do direito a não serem utilizadas, perante o tribunal, imagens de um particular a circular em locais públicos, quando essa utilização visa, apenas, contribuir para a eficiência do sistema de justiça.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/358ab50ffb6b524a80257fe8002e11e0?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Fevereiro de 2016 (proc. nº 2638/12.4TALRA.C1), relatado por Cacilda Sena*

Sumário:

I – A captação de imagens por particulares, em locais públicos ou de livre acesso ao público, não estando ferida de qualquer ilegalidade nem violando os direitos de personalidade que compreendem o direito à imagem, é meio admissível de prova.

II – Efectivamente, as imagens assim captadas, por factos ocorridos nos referidos locais, do suposto autor do crime, não constituem nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada” nem do direito à imagem daquele; por conseguinte, não é necessário o consentimento do visado para essa filmagem, nos termos exigidos pelo art. 79.º, n.º 2, do CC, porquanto a imagem do suspeito se encontra justificada por razões de justiça, nem tão pouco a referida recolha de imagens integra o crime de p. p. pelo art. 199.º, n.º 2, do CP.

III – Os depoimentos que reproduzem as ditas filmagens, não estando afectados por qualquer proibição de prova, devem ser livremente apreciados e valorados pelo tribunal.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/4bd77bb02c09e75b80257f6800512c33?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Outubro de 2013 (proc. nº 585/11.6TABGC.P1), relatado por Maria do Carmo Silva Dias*

Sumário:

I – São válidas, podendo ser valoradas pelo julgador (não constituindo métodos proibidos de prova) as provas que consistem na gravação de imagens (no caso filmagem) feita por particular (ofendido), direccionada para um local público, particularmente dirigida para o seu veículo automóvel, estacionado na via pública, apenas com vista a apurar quem era o autor dos danos (consistentes em sucessivos e repetidos riscos e outros estragos) que nele vinham sendo causados, bem como a reprodução, em suporte de papel, de imagens dessa filmagem retiradas.

II – A gravação de imagens em local público, por factos ocorridos na via pública, sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor do crime de dano (que atinge o património do particular que fez a filmagem), o qual veio a ser denunciado às autoridades competentes, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, constitui prova válida (art. 125º do CPP) por neste caso existir justa causa para essa captação de imagens (desde logo documentar a prática de infracção criminal que atenta contra o património do autor da filmagem, que depois apresentou a respectiva queixa crime), por não serem atingidos dados sensíveis da pessoa visionada e nem ser necessário o seu consentimento até olhando para as exigências de justiça.

III – A imagem captada nas circunstâncias deste caso concreto, por um lado não constitui nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada”, nem do direito à imagem do visionado, não sendo necessário o seu consentimento para essa gravação, tal como decorre do art. 79º, nº 2, do CC (estando a filmagem do suspeito justificada por exigências de justiça) e, por outro lado, aquela conduta do particular que fez a filmagem de imagens em local público não constitui a prática do crime de “gravações e fotografias ilícitas” p. e p. no art. 199º, nº 2, do CP, nem tão pouco integra a prática de qualquer ilícito culposo segundo o ordenamento jurídico, mesmo considerado este globalmente.

IV – Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, a filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias deste caso concreto, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art. 167º, nº 1, do CPP.

V – Esta nova forma de “privatização da investigação” (expressão usada por Costa Andrade a propósito, entre outros casos, de gravação de imagens por agentes privados, por eles trazidas ao processo) tem de ser analisada caso a caso, tendo em vista a salvaguarda daquele «núcleo duro» da vida privada da pessoa visionada (que abrange os dados sensíveis tal como definidos pela Lei de Protecção de Dados Pessoais), o qual assume uma multiplicidade de vertentes.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/301ec6a6cdd8ceab80257c1a005a61e4?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de Junho de 2011 (proc. nº 2499/08.8TAPTM.E1), relatado por José Maria Martins Simão*

Sumário:

I – A obtenção das imagens da testemunha e do arguido através do videograma, instalado pela assistente tendo em vista a identificação dos autores do dano provocado na porta de entrada da sua habitação, não constitui um método proibido de prova, dado que existe uma causa de justificação para a sua obtenção, isto é, visava documentar uma infracção criminal e não diz respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada.

II – A conduta da assistente constitui um meio necessário e apto ao exercício do seu direito de defesa pelo que está excluída a ilicitude da mesma.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/2fb889a910778fe880257de10056f5bc?OpenDocument

 

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 2017 (proc. nº 3017/11.6TBSTR.E1.S1), relatado por Lopes do Rego*

Sumário:

  1. Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação – e a liberdade de opinião e de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstracto precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias e o contexto do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art.. 10º da CEDH pelo TEDH – órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português – e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia.
  2. A circunstância de os artigos em causa serem fundamentalmente artigos de opinião e crítica, tendo subjacentes aspectos de relevante interesse público, por envolverem questões financeiras com reflexos importantes para a autarquia, decorrentes da existência de litígio acerca de elevados montantes reivindicados a título de honorários, pressupondo ainda um concreto contexto de intenso conflito entre o A. e os RR., expresso em várias iniciativas penais, percepcionadas pelos RR. como tendo um objectivo intimidatório e sancionatório do exercício da liberdade de opinião e expressão, que se gorou, determina que os mesmos se não possam ter-se por civilmente ilícitos.
  3. A publicação de uma fotografia do visado – pessoa de notoriedade local, envolvida num assunto de relevante interesse público, e obtida aquando de reunião pública, realizada em Câmara Municipal, em que o A. participou como advogado- não ofende o direito à imagem do visado.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/52f39c8799082a938025815c0048e29a?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de Setembro de 2017 (proc. nº 2/16.5 PAMGR.C1), relatado por Brizida Martins*

Sumário:

I – O registo e divulgação arbitrárias da imagem configuram manifestações de danosidade social e atentados à dignidade e autonomia pessoais idênticos aos das gravações ilícitas.

II – No direito penal português vigente, o direito à imagem configura um bem jurídico-penal autónomo e como tal protegido, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade, conforme vem frisando a doutrina e a jurisprudência.

III – Para que o crime opere adequadamente, não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/1e728f2f7e2403ed802581a3003d72c0?OpenDocument

 

Acórdão do Tribunal na Relação do Porto, de 25 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 349/13.2PEGDM.P1), relatado por Maria Deolinda Dionísio

Sumário:

I – A obtenção de fotografias ou de filmagens, sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, nomeadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam, ocorrido publicamente não constitui ilícito típico.

II – Nessas circunstancias mesmo que haja falta de licenciamento da CNPD podem ser usadas como meio de prova.

Link de Acesso: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d990fbcd9e79f47b80257e0400549da7?OpenDocument

 

Acórdão do TC 403/2015, (processo nº 773/15)

Sumário:

Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 78.º do Decreto n.º 426/XII da Assembleia da República que «Aprova o Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa».

III – Decisão. – Pelo exposto, ao abrigo do artigo 278.º da Constituição da República, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 78.º do Decreto n.º 426/XII da Assembleia da República que «Aprova o Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa», por violação do n.º 4 do artigo 34.º da CRP.

Link de acesso: https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-tribunal-constitucional/403-2015-70300353

 

 Acórdão do TC 464/2019, (processo nº 262018)

Sumário:

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED), relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; não declara a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações destes serviços no âmbito das respetivas atribuições, relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, por violação do disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, no que diz respeito ao acesso aos dados de tráfego que envolvem comunicação intersubjetiva, e por violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, todos da Constituição, no que se refere ao acesso a dados de tráfego que não envolvem comunicação intersubjetiva.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED), relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações destes serviços no âmbito das respetivas atribuições, relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada;

c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei Orgânica 4/2017, de 25 de agosto, por violação do disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, no que diz respeito ao acesso aos dados de tráfego que envolvem comunicação intersubjetiva, e por violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1 e 35.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, todos da Constituição, no que se refere ao acesso a dados de tráfego que não envolvem comunicação intersubjetiva.

 Link de acesso: https://dre.tretas.org/dre/3886633/acordao-do-tribunal-constitucional-464-2019-de-21-de-outubro#text

 

Acórdão do STJ de 17 de março de 1993, (processo nº 081998), relatado por Cesar Marques

Sumário:

I – De harmonia com o disposto no artigo 335, n. 1 do Código Civil, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

II – O direito de informar não é um direito absoluto que possa conduzir à total impunidade do jornalista.

III – Tendo os réus, como jornalistas, atingido com os seus escritos o bom nome do autor, tal implica a reparação dos danos que causaram – artigo 484 do Código Civil-

– cuja ofensa, por se tratar de um direito pessoal consagrado na Constituição, impõe que se atenda também ao dano não patrimonial – artigo 496 do Código Civil.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ef6c7364d95838e1802568fc003aab24?OpenDocument

 

Acórdão do STJ de 27 de maio de 1997, (processo nº 96A918), relatado por Cardona Ferreira

Sumário:

I – Há que procurar, através do princípio da proporcionalidade, o justo equilíbrio, entre os direitos fundamentais, mas não absolutos, de liberdade de expressão (e informação) e ao bom nome (e reputação).

A chave pode estar no civismo que sempre deve estar presente na convivência social.

II – Até um facto verdadeiro pode ser punível, se a sua revelação respeitar à vida privada do visado (não tanto à sua conduta profissional) e for ofensiva da personalidade deste ou usar de expressões inaceitáveis.

III – Para a ofensa implicar o dever de indemnizar, basta a mera culpa; a existência de dolo só influi no montante da indemnização.

 

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0432d7db3f8ff408025696c00456920?OpenDocument&Highlight=0,privacidade

Acórdão do STJ, de 29 de abril de 1999 (processo nº 99B118), relatado por Noronha Nascimento

Sumário:

I – A causalidade “naturalística” é insindicável nos recursos de revista, já que tal corresponde à apreciação de matéria de facto.

Só a “causalidade jurídica” é sindicável pelo Supremo, já que, quanto a esta, se trata de valorar e enquadrar normativamente a cronologia naturalística dos factos, em ordem a apurar se tal cronologia permite a fixação da conexão normativa de causa / efeito entre o facto e o dano.

II – A nossa lei consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, – a mais ampla – segundo a qual um facto é causa adequada de um dano desde que haja sido uma condição da sua eclosão, isto é que não seja de todo indiferente para a produção desse dano (artigo 563º do CCIV).

III – Tendo uma agência noticiosa difundido, através de diversos órgãos da imprensa escrita, factos graves de carácter objectivamente difamatório de um cidadão – imputando-lhe a qualidade de cabecilha de uma rede de droga – notícia depois profusamente divulgada por esses mesmos órgãos, há que considerar tal conduta como causa adequada dos danos sofridos pelo visado na sua dignidade e personalidade moral

IV – Tal difusão – que se provou ser falsa – representa um verdadeiro abuso do direito à informação e à liberdade de imprensa (artigo 37º da Constituição de 1976), tanto mais que é flagrantemente violador de direitos com idêntica dignidade constitucional e legal como o direito ao bom nome e reputação e à imagem pública e cívica (artigos 24º, 25º e 26º da Constituição de 1976 e 70º e 484º do CCIV).

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/661c28da598e30308025696900344887?OpenDocument

 

 Acórdão do STJ, de 14 de fevereiro de 2002 (processo nº 01B4384), relatado por Oliveira Barros

Sumário:

I – Os direitos de informação e de livre expressão do pensamento, traduzidos, entre outras manifestações, na existência de uma imprensa livre, plural e responsável, constituem pilar essencial do Estado de direito democrático, que a Constituição garante, tanto nos seus arts. 2, 37, ns. 1, 2, e 4, e 38, ns. 1 e 2, al. a).

II – Assume igual relevância a garantia do respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, entre os quais o da dignidade da pessoa humana (artº 1º) e os direitos à integridade moral (art. 25, n.1), ao desenvolvimento da personalidade e ao bom nome e reputação.

III – A própria Lei de Imprensa contempla limitações à liberdade do respectivo exercício de imprensa em ordem à salvaguarda da integridade moral dos cidadãos, da objectividade e da verdade da informação e da defesa do interesse público e da ordem democrática.

IV – Tem-se obtemperado igualmente que esse direito não pode ser exercido com ofensa dos direitos da personalidade, desde logo o já mencionado direito, que o n. 1 do artº 70 C.Civil outrossim protege ao bom nome e reputação, caso em que surgem os direitos de resposta, de rectificação e ainda de indemnização que o n. 4 do artº 37 CRP expressamente contempla.

V – Integra violação de direitos de personalidade de um desportista federado a imputação ao mesmo, através da imprensa da especialidade, de supostas condutas desvirtuadoras da verdade desportiva e de práticas tradutoras de deslealdade competitiva.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c9c2cd487d26cfde80256d5f0031c4f9?OpenDocument

 

 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de maio de 2003 (processo nº 0352466), relatado por Fonseca Ramos

Sumário:

  • Em processo de execução para pagamento de quantia certa pode ser imposta à operadora de telecomunicações a obrigação de informar a quem pertencia o número do telemóvel indicado pela exequente.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8b304331f771679a80256dc5004dfb55?OpenDocument

 

Acórdão do STJ, de 26 de fevereiro de 2004 (processo nº 03B3898), relatado por Araújo Barros

Sumário:

  1. A publicação, em jornal que se vende em todo o território nacional, de acusações ou insinuações feitas a uma mulher casada, no mínimo tratando-a como leviana e imputando-lhe a prática de adultério, atinge directamente o marido daquela, violando o seu direito ao bom nome, à honra e consideração social, e à reserva da intimidade da vida privada conjugal.
  2. Não importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro, contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de abalar a honra e o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
  3. Na delimitação do direito à informação intervêm princípios éticos, pelos quais o jornalista responde em primeiro lugar, constituindo dever de quem informa esforçar-se por contribuir para a formação da consciência cívica e para o desenvolvimento da cultural sobretudo pela elevação do grau de convivialidade como factor de cidadania, e não fomentar reacções primárias, sementes de violência, ou sentimentos injustificados de indignação e de revolta, tratando assuntos com desrespeito pela consciência moral das gentes, contribuindo negativamente para a desejável e salutar relação de convivialidade entre elas.
  4. Na conflitualidade entre os direitos de liberdade de imprensa e os direitos de personalidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
  5. Actuam culposamente, com dolo directo, os jornalistas que voluntariamente narra certo facto ou faz alguma afirmação ou insinuação, sabendo que dessa forma atinge a honra ou o bom nome de outrem, sendo esse preciso efeito que ele pretende atingir. Age com dolo necessário (ou eventual) a empresa jornalística que, sem poder deixar de conhecer a natureza melindrosa e difamatória dos escritos, tinha também o dever de ter impedido a sua divulgação.
  6. Tratando-se de notícia publicada em jornal que se vende em todo o território nacional; considerando que o lesado, a partir da data da publicação dos artigos, passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns clientes que o conheciam devido à vida pública que levava, tendo até, em consequência, pedido uma licença sem vencimento como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que passou a ser alvo; atendendo a que o casal constituído por ele e a mulher, visada nas notícias publicadas, acabou por se separar devido às discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram em ambos, justifica-se, por criteriosa e adequada às circunstâncias do caso, a atribuição da quantia de 5.000.000$00 (ou seja, 24.939,99 Euros) para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ca7fc9ce4402f58b80256e7e004ec225?OpenDocument

 

Acórdão do STJ, de 27 de maio de 2004 (processo nº 04A1704), relatado por Azevedo Ramos

Sumário:

I – A liberdade de expressão e o direito de liberdade sindical não são absolutos, devendo respeitar o direito ao crédito profissional, à honra e ao bom nome dos visados.

II – A informação deve ser rigorosa e verdadeira, devendo a notícia ser dada com contenção, para não afectar, além do necessário, a reputação alheia.

III – Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, perante as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida.

IV – O dever de indemnizar não depende de intenção ofensiva, bastando a mera culpa.

V – A invocação do cumprimento de um dever como causa justificativa do incumprimento de outro só releva se o respectivo sujeito não contribuiu culposamente para a impossibilidade de satisfação de ambos.

VI – Para haver culpa e obrigação de indemnizar, no caso de afirmação ou divulgação de factos susceptíveis de prejudicar o crédito ou o bom nome de alguém, basta, em princípio, que o agente queira afirmar ou difundir o facto, desde que conheça ou devesse conhecer a ilicitude ou o carácter danoso do mesmo facto.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b69329fea34940cd80256eb500586158?OpenDocument

 

Acórdão do STJ, de 3 de março de 2005, (processo nº 04B4789), relatado por Ferreira de Almeida

Sumário:

  1. Se nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação (“liberdade de informar”, “de se informar” e “de ser informado”), também se perfila como não menos relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, e o direito à imagem e reputação – cfr. art. 26°, n.° 1, da CONST.
  2. A liberdade de expressão não pode (e não deve) atentar, contra o direito ao bom nome e reputação, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação dos factos seja feita de forma a não exceder o estritamente necessário a tal salvaguarda.
  3. Mormente quando estiverem em causa críticas dirigidas ao funcionamento de um serviço público ou uma actuação de um dado agente político, domínio em que impera uma particular sensibilidade social que de certa forma alarga os contornos do direito de crítica.
  4. É o que se passa em caso de inércia do visado, enquanto dirigente de um serviço público (Centro de Saúde) – que perdurou por cerca de um ano – no desencadeamento e na conclusão do processo burocrático que se lhe encontrava confiado e relativo à criação de determinadas unidades orgânicas integradas no respectiva área de actuação.

Link de acesso: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4ef47e9024905f8680256fff0039c658?OpenDocument

 

Acórdão do STJ de 8 de fevereiro de 2006, (processo nº 05S3139), relatado por Fernandes Cadilha

Sumário:

I – A instalação de sistemas de vídeovigilância nos locais de trabalho envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade.

II – O empregador pode utilizar meios de vigilância à distância sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, devendo entender-se, contudo, que essa possibilidade se circunscreve a locais abertos ao público ou a espaços de acesso a pessoas estranhas à empresa, em que exista um razoável risco de ocorrência de delitos contra as pessoas ou contra o património.

III – Por outro lado, essa utilização deverá traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detectar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não numa vigilância directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores;

IV – Os mesmos princípios têm aplicação mesmo que o fundamento da autorização para a recolha de gravação de imagens seja constituído por um potencial risco para a saúde pública que possa advir do desvio de medicamentos do interior de instalações de entidade que se dedica à actividade farmacêutica;

V- Nos termos das precedentes proposições, é ilícita, por violação do direito de reserva da vida privada, a captação de imagem através de câmaras de vídeo instaladas no local de trabalho e direccionadas para os trabalhadores, de tal modo que a actividade laboral se encontre sujeita a uma contínua e permanente observação.

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Acórdão do STJ de 17 de setembro de 2009, (processo nº 832/06.6TVLSB.S1), relatado por Cardoso de Albuquerque

Sumário:

I – A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito de todos os cidadãos ao bom nome e reputação e à imagem, consagrado no art. 26.º da CRP, protege-os contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, nos termos amplos definidos no art. 70.º do CC. Essa protecção, pela via meramente civil, é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e de harmonia com os pressupostos previstos no art. 483.º, n.º 1, do CC, dispondo o art. 484.º que responde pelos danos causados, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ao bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.

II – A definição dos limites do direito à liberdade de imprensa, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência do STJ, do TC, bem como da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Entre estes princípios são de salientar o cumprimento, na divulgação das informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição da credibilidade respectiva antes da sua publicação.

III – Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis. Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nela operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

IV – Embora a liberdade de imprensa deva respeitar no seu exercício o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros, em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aqueles desde que adequadamente exercido.

V – O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente. Mas esta comprovação não pode revestir-se das exigências da própria comprovação judiciária, antes e apenas utilizar as regras derivadas das legis artis dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, significando isto que ele terá de utilizar fontes de informação fidedignas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

VI – A densificação do conceito de boa fé na divulgação, pela imprensa, de notícias de factos não verdadeiros é de crucial relevo para ajuizar se os réus (jornalistas) dela poderão beneficiar, em termos de excluir a ilicitude duma conduta passível de violação do bom nome e crédito do autor, enquanto imputando a este factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação, revestindo alguma complexidade.

VII- De acordo com alguma doutrina, transportável para a responsabilidade civil, essa boa fé é composta dos seguintes elementos fundamentais: 1) os factos inverídicos têm de ser verosímeis, ou seja, têm de ser portadores de uma aparência de veracidade susceptível de provocar a adesão do homem normal e não só do informador; 2) o informador terá de demonstrar que procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que chegou a confrontar as informações com várias fontes; 3) o informador terá de demonstrar que agiu com moderação nos seus propósitos, ou seja, que se conteve dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar, evitando o sensacionalismo ou os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo; 4) o informador deverá demonstrar a ausência de animosidade pessoal em relação ao ofendido a fim de que a informação inverídica não possa considerar-se ataque pessoal.

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Acórdão do STJ de 17 de dezembro de 2009, (processo nº 4822/06.0TVLSB), relatado por Oliveira Rocha

Sumário:

  1. Em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o nº 2 do art. 29º da Lei 2/99, e 13 de Janeiro, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa.
  2. A expressão «empresas de comunicação social» utiliza-se para referir, sinteticamente, as pessoas singulares ou colectivas (qualquer que seja a sua forma ou tipo) que exercem, em nome e por conta própria e de um modo organizado, uma actividade de recolha, tratamento e divulgação de informações destinadas ao público, através da imprensa, do cinema, da televisão e de outros meios análogos.
  3. Por aplicação do disposto no citado art. 335º do C. Civil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
  4. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade.
  5. O dano constitui a razão de ser do instituto da responsabilidade civil, seja ela contratual, seja extracontratual.

Ora, também se perfila como igualmente relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar – art. 26°, n°1, da mesma LF.

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Acórdão do STJ de 25 de março de 2010, (processo nº 576/05.6TVLSB.S1), relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Sumário:

  1. Não basta alegar que os documentos, que se pretende juntar com as alegações do recurso de apelação, se referem a factos notórios para afastar as regras relativas à junção de documentos, só possível nos termos do artigo 706º do Código de Processo Civil.
  2. Para que a divulgação de um facto respeitante a determinada pessoa possa vir a gerar a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais é necessário que seja apta a provocar danos graves.
  3. A gravidade é aferida objectivamente, em função de um padrão médio de sensibilidade.
  4. Tratando-se de um facto divulgado através da comunicação social, há que ponderar o impacto negativo que essa divulgação terá, atento o destinatário médio da notícia.
  5. A divulgação do facto, não verdadeiro, da associação com um caso de tráfico de droga de quem, por profissão, está reconhecidamente envolvido na investigação criminal e, no momento da publicação da notícia, tutela os órgãos de polícia criminal, assume especial gravidade.
  6. Nesse contexto, não pode ser invocada a qualidade de personalidade pública do visado para diminuir ou excluir a gravidade da ofensa.
  7. Só se torna necessário resolver um conflito entre o direito fundamental ao bom nome e reputação e o direito fundamental de informar se, no caso concreto, a conduta potencialmente lesiva do titular deste último corresponder efectivamente ao exercício desse direito.
  8. A verdade de uma concreta notícia não pode ser aferida em função de cada um dos factos isoladamente relatados, com maior ou menor correspondência com a realidade, mas da mensagem que com ela se quis transmitir ao público.

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Acórdão do STJ de 14 de fevereiro de 2012, (processo nº 5817/07.2TBOER.L1.S1), relatado por Helder Roque

Sumário:

I – Impondo-se ao director da publicação o dever, de acordo com as competências definidas por lei, de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao mesmo do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra uma presunção legal, porque a lei considera certo um facto quando se não faça prova em contrário.

II – Esta presunção legal dispensa o lesado do ónus da prova do facto a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do agente, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a natureza tantum iuris da presunção em causa.

III – O art. 29.º, n.º 2, da Lei da Imprensa, não determina, como condição da efectivação da responsabilidade da proprietária da publicação, que o director da mesma seja demandado, conjuntamente com aquela, por inexistir uma situação de litisconsórcio necessário passivo, relativamente ao director da empresa, independentemente de se ter provado que o escrito tinha ou não sido publicado com o conhecimento e sem a oposição do mesmo.

IV – A questão de saber se houve ofensa à honra, se há ou não ilicitude, há-de ser decidida pelo julgador de direito, pelo menos, em parte, em face dos factos provados relativos à imputação, não devendo ser provada através de um juízo de valor a efectuar pelo julgador de facto.

V – O direito ao bom-nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem.

VI – A tutela civil da honra abrange a globalidade deste bem, não se limitando ao sancionamento das condutas dolosas, compreendendo, igualmente, as condutas meramente negligentes, sendo indiferente que o facto ou opinião informativa sejam ou não verdadeiros, desde que os mesmos sejam susceptíveis, dadas as circunstâncias do caso, de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida [prejuízo do bom-nome], no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.

VII – Mas deve exigir-se a negligência grosseira, consubstanciada na violação grave dos deveres mais elementares, concretamente, impostos e que regem o exercício da profissão de informar o público.

VIII – O direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da noticia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, sendo certo que a importância social da noticia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

IX – As afirmações de facto ou são verdadeiras ou falsas, pressupondo a indispensabilidade da sua prova, ao contrário do que sucede com os juízos de valor, que não podendo encontrar-se, totalmente, desprovidos de base factual, já não impõem, em princípio, a averiguação da sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento emocional ou racional, desde que a génese subjectiva do juízo de valor seja, imediatamente, perceptível junto dos destinatários.

X – São pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que o agente, ao fazer a imputação, tenha actuado, dentro da sua função pública de formação da opinião publica e visando o seu cumprimento [a], utilizando o meio, concretamente, menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o dever de verificação da verdade da imputação [e].

XI – O dever de comprovação não corresponde ao facto histórico narrado, nem à sua comprovação cientifica ou sequer à sua comprovação judiciaria, antes há-de satisfazer-se com as exigências derivadas das legis artis dos jornalistas, que se não contentarão com um convencimento, meramente subjectivo, mas imporão que aquele repouse numa base objectiva, de que resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade haverá que possuir o mesmo efeito que esta, por se estar perante um erro relevante, que pode afastar a ilicitude.

XII – O direito não assegura ao lesado a protecção contra todas as opiniões, desmesuradamente, agrestes, mas não afasta a valoração como ilícitas das ofensas, exclusivamente, motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o ofendido, pelo que, exceptuadas estas, dificilmente se conceberão constelações de formulações críticas cuja ilicitude possa escapar à eficácia dirimente do exercício de um direito.

XIII – Não sendo a imputação legítima, nem tendo o agente actuado de boa fé, o conflito de direitos verificado entre a personalidade [a honra] e o seu exercício [a liberdade de expressão], sendo ambos de igual importância e não ocorrendo a possibilidade da sua cedência recíproca, resolve-se, in casu, em detrimento da liberdade de expressão, que cede o seu lugar, em virtude de o seu exercício se revelar ilícito, com base no abuso de direito, ao direito à honra, cuja supremacia só seria sacrificada quando não fosse ilegítimo o exercício da liberdade de expressão.

XIV – A ilicitude da conduta do agente traduz-se na violação dolosa da norma que tutela a ofensa do crédito e do bom-nome a que o lesado tem direito, não tendo aquele actuado no exercício de um direito, como causa justificativa do facto danoso.

XV – A afectação da consideração pessoal do lesado, junto da sua família, e a ofensa profunda da sua credibilidade, prestígio, crédito, reputação e imagem constituem danos relevantes que, pela sua gravidade, aferida por um padrão objectivo, ainda que a sua apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas, merecem a tutela do direito, porquanto atingem a dignidade da personalidade moral do mesmo.

XVI – A gravidade do dano depende, por um lado, da intensidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes foi dada, e, por outro, da personalidade e funções do visado, assumindo particular acuidade, no caso de alguém que desempenhava as mais altas funções na chefia do Governo, como Primeiro-Ministro.

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Acórdão do STJ de 30 de outubro de 2012, (processo nº 2709/07.9TVLSB.L1.S1), relatado por Salreta Pereira

Sumário:

I – A divulgação pela ré, através da publicação em jornal do qual era directora, do conteúdo de cassetes que não lhe pertenciam, que tinham sido dadas como furtadas pelo respectivo proprietário e que não tinha autorização para divulgar publicamente, configura um aproveitamente em benefício próprio das cassetes furtadas, susceptível de integrar ilícito criminal (art. 231.º do CP).

II – Tendo a ré perfeito conhecimento de que a publicação do conteúdo das cassetes era ilícita, agiu com dolo ao decidir conscientemente fazê-la.

III – A publicação do conteúdo das cassetes, em que a autora, na qualidade de assessora de imprensa de órgão superior, mas fora do exercício de funções e sem autorização do seu superior hierárquico, aparece a transmitir informações sobre um processo judicial a um jornalista, exigindo ao jornalista a não revelação da fonte, causou danos irreversíveis à imagem daquela, que se viu forçada a pedir a demissão e dificilmente recuperará a confiança de eventuais empregadores.

IV – No entanto, a denúncia da situação ao órgão superior em causa, às autoridades de polícia criminal ou a publicação no mesmo jornal da simples notícia de que a autora passava informações ao jornalista, sem divulgação do conteúdo das cassetes, condutas lícitas, teriam o mesmo resultado, no plano dos danos sofridos pela autora, que a concreta conduta da ré.

V – Tendo-se provado que cópias das gravações chegaram às redacções de vários órgãos de comunicação social e que o nome da autora já circulava como estando envolvida nessas gravações, era inevitável a sua descoberta como uma das autoras das fugas de informação do processo em causa, mesmo que a ré não tomasse qualquer iniciativa, descoberta que lhe causaria os mesmos danos.

VI – Os danos foram causados pelo acto reprovável da autora, de quebra de confiança relativamente ao Presidente do órgão superior em causa, para além da eventual dignidade penal, e pela sua justificada vergonha de o ter praticado.

VII – A ré tinha o dever de denunciar às autoridades a situação de que se inteirou ao ouvir as cassetes que lhe chegaram à redacção do jornal, só não tinha o direito de as usar em seu benefício, como o fez.

VIII – A forma da denúncia, com a apropriação do conteúdo de cassetes que não lhe pertenciam, foi ilícita, ética e deontológicamente reprovável, mas não foi esta forma de denúncia a causadora dos danos efectivamente sofridos pela autora.

IX – Inexiste nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito da ré e os danos sofridos pela autora, se estes devem ser imputados a esta última, aos seus próprios actos, sendo certo que não deixaria de os sofrer mesmo que a autora não tivesse praticado o acto ilícito.

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Acórdão do STJ de 18 de dezembro de 2012, (processo nº 352/07.1TBALQ.L1.S1), relatado por Pereira da Silva

Sumário:

I – Traduzindo-se a coligação activa numa acumulação de várias acções, a aferição dos requisitos de admissibilidade do recurso ordinário – a que reporta o art. 678.º,n.º 1, do CPC –, deve ser feita em função do valor de cada uma das acções cumuladas e da, em cada uma, ocorrida decadenza.

II – O consentimento do lesado (anterior à lesão) constitui causa justificativa do facto, consistindo aquele na aquiescência do titular do direito à pratica de acto que, sem aquela, constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse.

III – A publicação de uma carta enviada pelo autor ao director do jornal onde se reporta a caluniosos boatos que circulam e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou a difundir a notícia, afasta qualquer consentimento por parte do autor quanto à notícia publicada no jornal.

IV – O director de uma publicação periódica que permite a publicação de notícia cujo conteúdo lese gravemente o bom nome e reputação de alguém preenche a previsão do art. 484.º do CC, sendo solidariamente responsável – juntamente com os autores do escrito e a empresa jornalística proprietária – pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo demandante (art. 497.º do CC), verificados que estejam todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

V – À liberdade de transmitir informações contrapõe-se o dever de informação e de cumprimento das leges artis, isto é, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na aferição da credibilidade respectiva antes da sua publicação.

VI – Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso.

VII – Embora se reconheça o interesse publico de uma notícia que denuncia publicamente situações de abuso sexual (por forma a evitar o cometimento de outros actos de igual natureza) bem com a necessidade de divulgar a identidade dos (alegados) autores dos factos para a prossecução daquele fim, deveriam os autores da notícia ter ouvido o jovem, ou pelo menos tentado fazê-lo, e assim aferido da sua credibilidade.

VIII – A obrigação de indemnizar só existe quando ocorre um nexo de causalidade entre o acto ilícito do agente e o dano produzido, tendo o nosso sistema acolhido a teoria da causalidade adequada, ao consignar no art. 563.º do CC, que a tal obrigação só se verifica em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

IX – Tendo-se apurado que (i) algumas pessoas que ouviram e leram as notícias difundidas e publicadas, ou tiveram conhecimento através de quem o fez, ficaram convencidas que o autor tinha praticado os factos nelas referidos; (ii) nas semanas que se seguiram à divulgação e propagação das notícias houve pessoas na rua e no estabelecimento que se dirigiram ao autor dizendo “maricas”, “paneleiro”, e escreveram na montra do seu estabelecimento «olha o Bibi cá da vila» e «O Bibi de A…»; (iii) o autor é pessoa sensível, de bom relacionamento, trabalhadora, respeitadora e respeitada por todos quantos o rodeiam; (iv) antes da divulgação da notícia era uma pessoa alegre e bem disposta, tendo –em consequência da mesma – sofrido abalo psicológico, depressão, desgosto, vergonha, humilhação e tristeza; (v) a filha do autor foi alvo de comentários na escola que frequenta, e por via disso o autor deixou de a levar e buscar à escola; (vi) depois da divulgação das notícias o autor tentou suicidar-se; e sendo previsível, para um homem médio, que da publicação das notícias poderiam resultar os danos referidos em (i) a (vi), considera-se verificado o nexo de causalidade.

X – A vertente negativa do nexo de causalidade não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano.

XI – A determinação indemnizatória dos danos não patrimoniais deve ser efectuada segundo um juízo de equidade, que mais não é do que a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso.

XII – Tendo em atenção os factos referidos em VIII afigura-se adequado o montante indemnizatório de € 22 500 – a título de danos não patrimoniais – atribuído pela Relação ao autor.

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Acórdão do STJ de 8 de maio de 2013, (processo nº 1755/08.0TVLSB.L1.S1), relatado por Alves Velho

Sumário:

I – O director do meio de comunicação é, pela própria titularidade da função e pelas competências legais com que o onera o respectivo exercício, responsável pelos concretos conteúdos publicados, salvo se provar não ter tido conhecimento, ter-se oposto ou não ter podido opor-se à publicação, não sendo, para o efeito, necessária a demonstração de que, além do conhecimento dos artigos, sabia que os mesmos eram ofensivos do direito dos visados e que, apesar disso, não se opôs à publicação.

II – Se o conteúdo duma reportagem, em que se inclui a informação sobre a localização da residência do autor, “figura pública”, em nada se relaciona, directa ou indirectamente, com a actividade em que o mesmo adquiriu notoriedade e fama, não pode deixar de se considerar que não há direito de liberdade de imprensa, por inexistir razão para não permanecer reservado aquilo que, respeitante à reserva da vida privada, não é exigido pelo interesse público, por muito que, reportado ao específico público-alvo da publicação, possa ser do interesse desse público.

III – Nesse caso, do ponto de vista da formação da opinião pública, informando e sendo informada, o direito emerge despido do objecto justificativo da garantia de liberdade de informação, pois que o interesse da informação se fica pelo puro campo do privado, desprovido de qualquer dimensão de interesse público social, mas em colisão com o interesse público constituído pela protecção da vida privada e como tal reconhecido pelo sistema jurídico.

IV – Nessa medida, não se pode invocar o direito de informar e de ser informado para, pura e simplesmente, afastar os limites resultantes da lei ordinária arts. 70.º, n.ºs 1 e 2, e 80.º, n.º 2, do CC, também acolhidos, como garantias, no art. 26.º da CRP, limites que se repercutem directamente nas normas dos arts. 37.º e 38.º da Lei Fundamental, sendo de concluir que a condenação das rés a não revelarem, por qualquer meio, directo ou indirecto, a localização da residência do autor, mesmo face à sua condição de figura pública, não atenta contra a liberdade de expressão e de informação, nem a providência decretada, conforme à previsão do n.º 2 do art. 70.º do CC e das normas dos arts. 18.º, n.º 2, e 26.º, n.º 2, da Constituição, constitui acto de censura.

V – A sentença que conheça e decida sobre a relação jurídica substantiva vale contra o sucessor ou substituto cuja habilitação não foi promovida, desde que o primitivo demandado se tenha mantido em lide, agora já em substituição do seu sucessor ou substituído.

VI – Em situações como esta, não se está perante uma “nova parte”, para os fins previstos no art. 269.º do CPC, mas perante uma identidade de partes, determinável e determinada pela qualidade jurídica do “director” da concreta publicação em causa, por inerência ao exercício das respectivas funções estatutárias.

VII – Reconhecido o direito do autor à reserva da sua vida privada e ter ele resultado violado pela revelação do seu local de residência, produzem-se não só efeitos imediatos decorrentes da consumação da violação, que devem repercutir-se apenas sobre o efectivo agente responsável pela violação, mas também se abre lugar à previsão de (nova) violação do direito ofendido, no exercício da mesma função e actividade, cuja protecção e acautelamento a lei prevê, agora em sede de condenação de abstenção de violação de direito reconhecido, devendo este segmento da condenação impor-se no quadro da identidade de qualidade jurídica da “parte”.

VIII – A decisão tem autoridade e vincula para o futuro relativamente às pessoas que na relação jurídica lidada ocupem a mesma posição que, ao tempo, aquelas a quem sucederam ocupavam, ou seja, que tenham assumido a mesma posição jurídica da que foi parte no processo.

IX – A inclusão na condenação da ré, do segmento injuntivo “ou quem lhe venha a suceder nessa qualidade” representando uma mera explicitação, desprovida de utilidade, dos efeitos da condenação da “ré, na qualidade de directora”, não resultando, por isso, modificados os efeitos subjectivos da condenação, não integra violação da lei do processo.

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Acórdão do STJ de 24 de outubro de 2013, (processo nº 780/10.5JAPRT.S1), relatado por Manuel Braz

Sumário:      

I – O uso de dispositivo electrónico de localização de um automóvel por GPS representa uma intromissão na vida privada dos ocupantes do veículo, por permitir conhecer a quem o manipule os locais por onde se movimentam, locais que, pela sua natureza, podem fornecer indicações sobre aspectos da vida pessoal e íntima daqueles.

II – Não é correcto colocar no mesmo plano a localização de um veículo por meio de GPS e o seu seguimento por pessoas a bordo de outro veículo. Existe entre ambos uma diferença substancial e, estando-se no âmbito de uma investigação criminal, decisiva: enquanto o seguimento do veículo alvo por pessoas que se encontram noutro veículo se passa à vista de todos, permitindo a quem é seguido furtar-se à vigilância ou evitar agir de modo a poder auto-incriminar-se, o uso do sistema de GPS é um meio oculto de vigilância, que nenhuma oportunidade dá ao ocupante do veículo visado de iludi-lo, agindo, sem poder sabê-lo, de uma forma que pode representar a sua auto-incriminação.

III – O art. 189.º do CPP traduz o propósito do legislador de regular, além do mais, a localização de alvos por meios electrónicos, referindo um desses tipos de localização, a celular. Dada a similitude de alcance dos dois meios de obtenção da prova, as razões que levaram a prever a localização celular aplicam-se ao GPS. Até porque, como se informa no acórdão do TC n.º 486/2009, a tecnologia GPS, com a sua recente incorporação nos equipamentos móveis, já se encontra presente na localização celular, permitindo-lhe atingir «um grau de precisão muito elevado em matéria de determinação da posição geográfica».

IV – Donde a conclusão de que nesta matéria a letra da lei ficou aquém do seu espírito. Da própria razão de ser da lei resulta que o legislador, querendo referir-se a um género – meios electrónicos de localização geográfica de um alvo – mencionou apenas uma espécie desse género. Dizendo a letra da lei menos do que se pretendia, há que alargar o texto legal fazendo-o corresponder ao seu espírito. O uso de aparelho de GPS para obter a localização geográfica, em tempo real, de um alvo é aceite desde que autorizado por despacho do JIC e tenha lugar na investigação de casos de média ou grande criminalidade, com apelo às disposições dos arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 32.º, n.º 4, e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.

V – Mesmo que se entenda que a falta de fundamentação do despacho do JIC que autorizou o uso do GPS está sujeito à disciplina dos arts. 187.º e 190.º do CPP e deve ser vista como proibição de prova, inexistindo norma que afaste a regra da recorribilidade prevista no art. 399.º do CPP, tal decisão admitia recurso e não se tendo dele recorrido, transitou em julgado, não mais podendo ser posto em causa (nos casos em que é recorrível, a decisão sobre proibições de prova transita em julgando, estabilizando-se, se dela não for interposto recurso ou, sendo-o, este for julgado improcedente).

VI – Os inspectores da PJ são OPC’s, nos termos do art. 1.º, al. c), do CPP, e os inspectoreschefes são mesmo autoridades de polícia criminal, como resulta da conjugação da al. d) desse preceito e do art. 11.º, n.º 1, al. i), da LOPJ, aprovada pela Lei 37/2008, de 06-08.

VII – De acordo com a norma da al. a) do n.º 1 do art. 251.º do CPP, os OPC’s e, por maioria de razão, as autoridades de polícia criminal podem, sem prévia autorização da autoridade judiciária, efectuar buscas em local que, embora reservado ou não livremente acessível ao público, não seja um domicílio, desde que tenham «fundadas razões para crer que ali se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem para a prova e que de outra forma poderiam perder-se».

VIII – No caso, os inspectores da PJ vigiavam desde algum tempo os movimentos da carrinha (em que os arguidos se transportavam), por terem fortes indicações, colhidas nomeadamente através de escutas telefónicas, de que ali seria transportado produto estupefaciente proibido. Como a carrinha foi levada para um espaço privado e vedado, onde, por não ser possível continuar a vigiar os seus movimentos e os das pessoas que a conduziam e seguiam, sem levantar suspeitas, o produto, não havendo intervenção imediata dos agentes policiais, poderia ser dela retirado e levado para local desconhecido, nomeadamente entregue a terceiros.

IX – O local buscado foi a referida carrinha que se encontrava «debaixo de um telheiro». Um telheiro, construção aberta, como era no caso, destina-se a guardar ou abrigar objectos que não é adequado ou próprio introduzir na habitação, como alfaias agrícolas, lenha, etc. Serve-lhe de apoio, mas não faz parte da habitação, considerando-se esta como o espaço fechado onde se desenvolvem ou podem desenvolver, recatadamente, «dentro de portas», ao abrigo dos olhares de estranhos, todos aqueles actos que são característicos da vida privada e íntima de cada um. Nos factos provados, é referenciada uma residência, a do «avô do arguido R», mas o telheiro não só lhe era exterior como estava dela separado, ainda que «em zona próxima». A busca não foi, pois, efectuada num domicílio.

X – A busca foi realizada no dia 03-04-2012. E logo no dia seguinte, o MP requereu ao JIC a validação das apreensões ocorridas durante a busca, referindo expressamente o produto estupefaciente encontrado. No mesmo dia – 04-04-2012 –, o JIC, no despacho que aplicou medidas de coacção, referiu o auto de busca e apreensão como um dos elementos que suportavam a conclusão da existência de fortes indícios da prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, validou as apreensões e valorou a droga apreendida para fundamentar as medidas de coacção decididas. Não pode, pois, negar-se haver aí uma implícita, mas inequívoca, validação da busca, procedimento que é aceitável, mesmo sob o ponto de vista constitucional (cf., neste sentido, o ac. do STJ, de 20-09-2006, Proc. n.º 2321/06, e o ac. do TC n.º 278/2007).

XI – Os 3 arguidos actuaram de comum acordo relativamente ao transporte da cannabis, acordo esse que envolveu o tipo de contribuição de cada um, tal como veio a ocorrer, ou seja, houve uma decisão conjunta de todos relativamente àquele facto. Efectivamente, o transporte foi feito na referida carrinha, conduzida pelo arguido P. Os outros 2 arguidos, como combinado, «com a finalidade de acompanharem o transporte do haxixe», pouco depois de a carrinha ter iniciado a marcha, foram ao encontro dela, cada um em seu veículo, começando por segui-la, sendo que em determinado momento o arguido R passou para a frente, indicando o caminho até à propriedade do seu avô, onde acabaram por parar, ficando a carrinha que continha a droga debaixo de um telheiro. A condução da carrinha constituiu, sem dúvida, um acto que se integrou no transporte da droga, mas não o esgotou. Por transporte deve entender-se toda a operação pelos arguidos acordada de fazer conduzir, naquelas circunstâncias, o produto estupefaciente até ao local onde pararam, a propriedade do avô de R. Nessa operação, cabia a cada um desempenhar uma determinada tarefa: a P cabia o papel de conduzir a carrinha; os outros 2 tinham a seu cargo o acompanhamento dessa carrinha, notoriamente com vista a garantir a chegada em segurança ao destino; ao arguido R cabia ainda a tarefa de indicar o caminho, como se infere do facto de, durante o percurso, ter tomado a dianteira, encaminhando-se e aos outros para a propriedade do avô. Assim, os contributos dos arguidos P e R foram determinantes para a realização desse transporte. Era necessário conduzir a carrinha onde estava a droga, e executou essa tarefa; era necessário fazer o acompanhamento desse veículo, em ordem a tornar o transporte seguro, bem como propiciar a entrada no espaço que tinham como destino, e R desempenhou estes papéis.

XII – Havendo decisão conjunta e participação directa na execução do facto típico, não pode deixar de concluir-se que os arguidos são co-autores, à luz do art. 26.º do CP [como defende Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, pág. 791, «(…) o princípio do domínio do facto aqui com a exigência de uma repartição de tarefas, que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornaram a execução do facto dependente daquela mesma repartição»].

XIII – A determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no art. 71.º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.

XIV – No caso, a operação de transporte da substância proibida foi cuidadosamente preparada e reflectida, como resulta da escolha de um veículo adequado, uma carrinha com vidros escuros, para evitar que se visse do exterior a carga, das suas movimentações entre 29-03- 2013 e 03-04-2013 e das circunstâncias em que, quando a viatura, já carregada e conduzida pelo arguido P, iniciou a marcha, os arguidos J e R vieram ao encontro dela e a acompanharam até ao ponto onde se veio a imobilizar, seguindo um itinerário em que serviu de guia R. Surpreende-se nisso uma vontade muito determinada e persistente de levar o facto por diante, do que decorre dolo de grande intensidade, que releva em sede de culpa.

XV – No que se refere ao grau de ilicitude do facto, há a considerar, por um lado, que, se a substância em causa não é das de maior nocividade para a saúde das pessoas, a quantidade transportada é enorme, quase 1,5 toneladas, suficiente para abastecer uma infinidade de consumidores, e, por outro, que a conduta típica, o mero transporte da droga, não podendo embora deixar de se lhe reconhecer uma especial perigosidade para os bens jurídicos que se visa proteger, é das que revelam menor comprometimento com o comércio ilegal de drogas. Nesse transporte há, porém, uma maior implicação do arguido J, que actuou mais próximo dos responsáveis pela introdução da cannabis no país, tendo tido alguma «intervenção» no seu desembarque e ficado responsável por diligenciar pelo seu transporte em terra. As condutas dos arguidos P e R equivalem-se em desvalor. Assim, a ilicitude é bastante elevada, relativamente a J, e elevada, em relação aos outros 2, relevando este factor pela via da culpa e da prevenção geral.

XVI – Tendo em conta a intensidade do dolo e o apontado grau de ilicitude do facto, tem-se a culpa como bastante elevada em relação ao arguido J e elevada no que se refere aos outros 2, a permitir que a pena se fixe em patamar situado muito além do limite mínimo da moldura penal.

XVII – A medida das exigências de prevenção geral é elevada, atendendo a que, embora não se esteja perante um tipo de droga de maior potencial de danosidade para a saúde dos seus consumidores, está em causa um enorme carregamento, cuja notícia não pode ter deixado de causar um grande impacto na comunidade, fazendo-a despertar para os problemas sociais que andam ligados ao tráfico e consumo de estupefacientes. Por outro lado, este tipo de actividade, se não está em crescendo, mantém-se pelo menos em níveis muito elevados. Destas circunstâncias resulta que o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na ordem jurídica se situa muito acima do limite mínimo da moldura penal.

XVIII – Em sede de prevenção especial há a considerar positivamente a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido R e negativamente as condenações anteriormente sofridas pelos arguidos P e J, que, embora não tenham qualquer ligação com o crime deste processo, não deixam de revelar alguma hostilidade ao direito, no que se refere a P, pelo número de infracções, e em relação a J, pela natureza de um dos crimes anteriores (lenocínio) e, mais decisivamente, pelo facto de haver cometido o crime deste processo durante o período de suspensão da execução da pena aplicada por aquele. Quanto a este último arguido, tendo em conta que é referenciado por pessoa ou pessoas com posição importante no mundo da droga, como resulta do facto de haver sido incumbido de organizar o transporte em terra de uma quantidade tão grande, exige-se à pena um redobrado efeito de desencorajamento da prática de novos crimes desta natureza, que lhe é facilitada por aquela circunstância.

XIX – Ponderando tudo, só pode concluir-se que as penas fixadas, de 6 anos de prisão para J, 5 anos e 5 meses de prisão para P e 5 anos e 3 meses de prisão para R, situando-se muito mais perto do limite mínimo do que do limite máximo da moldura penal e mesmo muito aquém do seu ponto intermédio, não excedem a medida necessária para realizarem as finalidades da punição. A diferença das penas dos arguidos P e R encontra fundamento nas menores exigências de prevenção especial relativamente ao último, em função da ausência de antecedentes criminais.

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Acórdão do STJ de 13 de novembro de 2013, (processo nº 73/12.3TTVNF.P1.S1), relatado por Mário Belo Morgado

Sumário:

  1. O conceito de «meios de vigilância à distância» expresso no n.º 1 do art. 20.º do Código do Trabalho de 2009 está reportado aos equipamentos que traduzam formas de captação à distância de imagem, som ou som e imagem que permitam identificar pessoas e detetar o que fazem, como é o caso, entre outros, de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico.
  2. O dispositivo de GPS instalado, pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respetivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho, nos termos definidos no referido preceito legal, porquanto apenas permite a localização do veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que faz o respetivo condutor.
  3. O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais.
  4. Encontrando-se o GPS instalado numa viatura exclusivamente afeta às necessidades do serviço, não permitindo a captação ou registo de imagem ou som, o seu uso não ofende os direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente a reserva da intimidade da sua vida privada e familiar.
  5. Existe justa causa para o despedimento do trabalhador quando está demonstrado que o mesmo, exercendo as funções de motorista de veículos de transporte de mercadorias perigosas, à revelia da empregadora, por 18 vezes, no período de 3 meses, conduziu o referido veículo para localidades fora do percurso determinado para o transporte da mercadoria desde o local de recolha ao local de entrega da mesma, o que se traduziu, não só, no acréscimo das distâncias percorridas e do período de tempo para o efeito despendido, suportados pela empregadora, mas, também, no aumento dos riscos derivados da circulação do veículo com combustível.

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Acórdão do STJ de 2 de dezembro de 2013, (processo nº 1667/08.7TBCBR.L1.S1), relatado por Paulo Sá

Sumário:      

I – A liberdade de expressão e o direito à informação constituem direitos fundamentais, neste sentido podendo ser convocados os princípios plasmados no art. 19.º da DUDH, de 10-12-1948, e no art. 100.º, n.º 1, da CEDH, de 04-11-1950, integrados no direito interno ex vi do art. 8.º da CRP, gozando de consagração constitucional nos arts. 37.º, n.ºs 1 e 2, e 38.º, n.ºs 1 e 2.

II – Reflexamente, a todas as pessoas é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos – art. 37.º da CRP.

III – Os direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize.

IV – Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, o que traz ínsita a ideia de limites ao próprio exercício do direito, que, uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude.

V – Tendo uma estação de televisão exibido, em virtude do cometimento de suicídio pelo A, que se imolou pelo fogo – na sequência da execução de uma decisão administrativa de despejo do seu restaurante –, uma entrevista a um amigo da vítima mortal, seguida das imagens de arquivo de uma pessoa que se encontrava num quarto de hospital, coberta de ligaduras, incluindo a face, à excepção dos olhos, com 90% do corpo queimado, e ligado a um ventilador, demonstrando o sofrimento do doente que estava a ser filmado, e cuja visualização causou uma forte e intensa dor nas autoras (respectivamente, viúva e filha da vítima) – que, além do mais, tiveram negado o acesso ao quarto de A e se convenceram que tal acesso havia sido dado aos jornalistas –, deveria a mesma (estação de televisão) ter informado que a imagem exibida era de arquivo, afastando, assim, a ideia nos espectadores, e em particular nos familiares próximos, de que o visionado era A.

VI – Afigura-se, no entanto, que não ocorreu qualquer violação dos arts. 6.º e 9.º do Código Deontológico dos Jornalistas, apenas se podendo sustentar ter ocorrido uma infracção ao art. 10.º, por o relato não ter sido rigoroso, permitindo interpretações erróneas, sendo que esta norma não se destina a proteger qualquer direito pessoal dos espectadores.

VII – É certo que as autoras invocam que as imagens lhes causaram e agravaram o sofrimento, mas também que parte desse sofrimento, como se deu por provado, derivou não directamente da notícia mas da sua convicção de que lhes havia sido coarctado o acesso à vítima e autorizado o mesmo à comunicação social; por outro lado, o sofrimento resultante de terem sido abordadas por diversas pessoas não pode ser imputado ao visionamento da imagem do hospitalizado, mas antes pelo insólito da imolação pelo fogo (no nosso meio e pela publicitação da notícia), perfeitamente natural, uma vez que a vítima optou por uma atitude pública de protesto, dessa forma tão radical.

VIII – Não existe violação do direito à imagem, nem reserva da intimidade das autores, uma vez que não se demonstrou que tenham sido tomadas fotografias não autorizadas à vítima, nem existe violação da reserva da vida privada, uma vez que foi a própria vítima que tornou público o facto e suscitou esse mesmo interesse público, afastando assim a ilicitude da actuação da ré.

IX – A transmissão das imagens descritas, imprimindo no contexto da notícia uma especial nota de dramatismo, com infracção da moderação e objectividade a que a ré, operadora de televisão, estava obrigada, não releva senão relativamente ao espectador em geral e ao seu direito de ser informado com verdade.

X – Reconhece-se que todas as notícias que relatam um grave acidente, uma catástrofe natural ou acto de desespero que deixa determinada pessoa em risco de vida cria nos seus familiares um agravamento da ansiedade e do sofrimento, mas este facto não pode dar origem a uma indemnização por não ser, em si mesmo, um acto ilícito.

XI – É de conceder revista e revogar a decisão das instâncias que atribuíram a cada uma das vítimas, a título de danos não patrimoniais, a indemnização de € 10 000 a cada uma, no montante global de € 20 000.

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Acórdão do STJ de 21 de outubro de 2014, (processo nº 941/09.0TVLSB.L1.S1), relatado por Gregório Silva Jesus

Sumário:

I – A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.

II – O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.

III – A verdade noticiosa não significa verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objectividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade.

IV – Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.

V – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de imprensa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática.

VI – No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas.

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Acórdão do STJ de 18 de maio de 2016, (processo nº 202/13.0TRPRT.S1), relatado por Pires da Graça

Sumário:

I – Da matéria de facto imputada não resulta que, no contexto em causa, o arguido quisesse agir com propósito de rebaixamento da assistente/recorrente, no seu sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social, pois quis agir no exercício do seu direito de defesa, na sua explicação dos factos, nos termos das finalidades permitidas pelos arts. 286.º, n.º 1 e 287.º, n.º 2, do CPP, ou seja, no uso do seu direito à liberdade de expressão.

II – O conteúdo da entrevista concedida pelo arguido ao jornal regional não se destinou a um ataque doloso à honra e consideração pessoal e profissional da assistente, mas a apresentar, em discussão objectivam as razões (subjectivas) explicativas da convicção do arguido, na concretização do exercício do seu direito de defesa. Não é a vontade de difamar a assistente que subjaz à dita entrevista, mas apenas o propósito de explicitação dos motivos que na convicção do arguido, integram o seu direito de defesa.

III – Pelo que inexistem indícios suficientes de que o arguido com a sua actuação, ao produzir as afirmações apresentadas através de entrevista jornalística, umas factuais, outras conclusivas (juízos), sub judicio, soubesse que não correspondiam à verdade, e que actuasse de forma livre e esclarecida com o propósito deliberado de atingir a honra e consideração da assistente.

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Acórdão do STJ de 3 de novembro de 2016, (processo nº 63/10.0P6PRT.P1.S1), relatado por Souto de Moura

Sumário:

I  –   O acórdão recorrido encarou o problema da nulidade das escutas. Não ignorou que tivesse sido levantada essa questão. O que se passou foi que ao tomar posição sobre ela entendeu que se mostrava desnecessária determinada declaração de invalidade das escutas por desrespeito de prazos (art. 188.º, n.ºs 3 e 4, do CPP), ao ter considerado não provados os factos que se relacionavam com tais escutas.

II –  No acórdão recorrido, independentemente da questão de saber se o recorrente deveria ter especificado as concretas consequências da declaração de nulidade das escutas, tendo em conta o art. 122.º, do CPP, o certo é que o acórdão recorrido elencou os factos que deixaram de ser dados por provados e tomou posição sobre a ausência de consequências da pretendida nulidade de escutas. O vício, tido por inócuo, não releva em termos de contaminação de outros meios de prova.

III –  De qualquer modo, independentemente de se poder discordar do modo como o acórdão recorrido tratou a questão, o que é certo é que ela foi tratada. Daí que não se possa falar de omissão de pronúncia com a consequente nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. c), ex vi do art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP.

IV – O acórdão recorrido justifica circunstanciadamente a inexistência de um meio proibido de obtenção de prova (aqui a busca) pelo facto de se não ter colhido o consentimento do recorrente. Por outro lado, a sanção pretendida da nulidade, protege, para além do mais, uma privacidade que, no caso, dificilmente se considera existir. A proteção dirige-se ao espaço domiciliário e dependências anexas, que podem incluir uma garagem, mas onde com estabilidade se processe a vida privada, como extensão da vida doméstica.

V – No presente condicionalismo o local objecto de busca era uma das 3 garagens usadas pelo grupo para guardar o produto estupefaciente, sem ligação a residências. O acórdão recorrido explica proficientemente porque é que o espaço objecto de busca não pode ser objecto de uma protecção da projecção espacial da pessoa que reside em certa habitação. Tratava-se de um espaço comum, e não um local onde o recorrente guardasse objectos que só a si diziam respeito. Daí que a haver privacidade com a protecção pretendida, nunca a privacidade do recorrente se destacaria da do co-arguido a ponto de se exigir o consentimento de ambos.

VI – Enquanto que o art. 126.º, do CPP se refere a métodos proibidos de prova, sendo as provas obtidas por tais métodos não só nulas como inutilizáveis, a prova colhida sem observância de formalidade estipuladas é nula, sem mais. No primeiro caso, estão os métodos de prova que atentam directamente contra a dignidade e a integridade física e moral humana, percebendo-se que a lei considere as provas absolutamente nulas. No segundo caso, prevê-se o desrespeito de formalidades que a lei estabeleceu, e em que se se prosseguem finalidades diversas, como a da eficácia do procedimento e sobretudo a garantia de controlo judicial, ao lado de um simples interesse de celeridade. A eventual violação do art. 190.º, do CPP, alegada pelo recorrente é pois uma nulidade dependente de arguição e com prazo para essa arguição, que à data da interposição deste recurso há muito tinha expirado, atento o disposto no art. 120.º, n.º 3, al. c), do CPP).

VII – Para além disso, estamos perante uma questão processual relativa à produção de prova e que portanto interessa ao apuramento dos factos. Acresce que, tal questão foi objecto já de decisão interlocutória, decisão que deve considerar-se definitiva. Não estamos aqui perante uma questão conhecida oficiosamente ex novo pelo tribunal da relação e claro que a constitucionalidade da disciplina processual pertinente, como se sabe, não depende de se consagrarem dois graus de recurso, antes se basta com a existência de dois graus de jurisdição. É portanto aplicável o art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, o que sempre tornaria, neste ponto, o acórdão da relação irrecorrível.

VIII – O recorrente foi condenado, tanto em primeira instância como na Relação, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. j), do DL 15/93, de 22-01, cuja moldura penal é de 5 a 15 anos de prisão. Desempenhava no grupo um papel proeminente como seu fundador e organizador do abastecimento de haxixe, que era recolhido no sul de Espanha. O número de elementos do bando, os meios utilizados e as quantidades apreciáveis transaccionadas apontam para um grau apreciável de ilicitude. Beneficia o arguido do facto de se estar perante um tráfico que não é de drogas consideradas duras. Tudo ponderado, a pena de 9 anos de prisão aplicada pelas instâncias afigura-se-nos adequada.

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Acórdão do STJ de 3 de novembro de 2016, (processo nº 323/12.6TVLSB.L2.S1), relatado por Oliveira Vasconcelos

Sumário:

I – Tendo o STJ, em anterior aresto, ordenado a baixa do processo ao tribunal para ampliar a matéria de facto com o propósito de se averiguar se, como alegara, o réu adotara cuidados para salvaguardar a sua responsabilidade pelo facto de ter em seu poder um vídeo que documenta uma cena da vida íntima, é de concluir, perante a indemonstração dos factos decorrentemente aditados e dado aquele ser o único possuidor do computador em que o videograma estava registado, que o demandado violou negligentemente o dever de conservar o filme em causa em termos de não ser visto por terceiros, facto de onde advém a sua responsabilidade pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora.

II – Não tendo o réu, no recurso de apelação, posto em crise a sua condenação no pagamento da quantia de € 10 000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais infligidos à autora, cabe, desde já, repristinar tal decisão, devendo, no mais, os autos baixar à Relação para aí se conhecerem das demais questões aí suscitadas, posto que, no recurso de revista, não tem aplicação a regra prevista no n.º 1 do art. 665.º do CPC:

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Acórdão do STJ de 16 de março de 2017, (processo nº 2178/10.6TVLSB.L1.S1), relatado por Silva Gonçalves

Sumário:       

  1. O “EE” não agiu de forma ilícita no concernente à descrição posta na notícia que consta da página 18 e assinada por DD, publicada na sua edição de 18.05.2010, encimada pelo título “Mãe quer as filhas dadas para adopção” e acompanhada da fotografia da autora na qual está anotada a expressão: “AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa”.
  2. Na verdade, da avaliação do conteúdo que daquela detalhada divulgação noticiosa transparece, na sua abordagem objetiva e racional, dela não poderemos aprontar que o “EE” pôs em risco ou atentou contra a intimidade da demandante/recorrente.
  3. III. A postura do “EE”, consubstanciada na revelação pública dum evento socialmente relevante e cujo interesse jornalístico se circunscreve no enredo – agora muito em voga e em permanente discussão na praça pública – sobre a social temática da adoção, não raras vezes enredada em meandros de insidiosos contornos, integra-se no direito de liberdade de expressão e de opinião, um direito exigido aos hodiernos Estados de Direito e que a publicação ré exerceu sem desmerecer a intimidade da autora.

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Acórdão do STJ de 13 de julho de 2017, (processo nº 3017/11.6TBSTR.E1.S1), relatado por Lopes do Rego

Sumário:

  1. Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação – e a liberdade de opinião e de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstracto precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias e o contexto do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do art.. 10º da CEDH pelo TEDH – órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português – e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia.
  2. A circunstância de os artigos em causa serem fundamentalmente artigos de opinião e crítica, tendo subjacentes aspectos de relevante interesse público, por envolverem questões financeiras com reflexos importantes para a autarquia, decorrentes da existência de litígio acerca de elevados montantes reivindicados a título de honorários, pressupondo ainda um concreto contexto de intenso conflito entre o A. e os RR., expresso em várias iniciativas penais, percepcionadas pelos RR. como tendo um objectivo intimidatório e sancionatório do exercício da liberdade de opinião e expressão, que se gorou, determina que os mesmos se não possam ter-se por civilmente ilícitos.
  3. A publicação de uma fotografia do visado – pessoa de notoriedade local, envolvida num assunto de relevante interesse público, e obtida aquando de reunião pública, realizada em Câmara Municipal, em que o A. participou como advogado- não ofende o direito à imagem do visado.

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Acórdão do STJ de 30 de maio de 2019, (processo nº 336/18.4T8OER.L1.S1), relatado por Catarina Serra

Sumário:

  1. O direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e os outros direitos de personalidade são concretizações da dignidade da pessoa humana, que é um valor intangível e indisponível.
  2. Se são admissíveis, por princípio, limitações aos direitos de personalidade, já não o são aquelas que atinjam / toquem o limite da dignidade da pessoa humana, por violarem o princípio da ordem pública.
  3. Através do conceito indeterminado de “ordem pública”, o Direito protege os valores e princípios do ordenamento que são inderrogáveis por serem base da coexistência social e garantes de um bem público.
  4. A instrumentalização das pessoas e, em particular, das crianças é contrária à ordem pública, pois ofende o valor da dignidade humana.
  5. Num contexto deste tipo, a limitação dos direitos de personalidade por via do consentimento é absolutamente irrelevante como causa de exclusão da ilicitude da lesão (cfr. artigos 81.º, n.º 1, e 280.º, n.º 2, do CC).

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Acórdão do STJ de 10 de dezembro de 2019, (processo nº 16687/16.0T8PRT.L1.S1), relatado por Ilídio Sacarrão Martins

Sumário:

I – A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstracta.

II – A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos.

III – É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.

IV – De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.

V – Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.

VI – A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.

VII – O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.

VIII – A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.

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Acórdão do STJ de 19 de fevereiro de 2020, (processo nº 4883/15.1TDLSB.L1.S1), relatado por Nuno Gonçalves

Sumário:      

  1. A criança não é só destinatário, é também sujeito de direitos fundamentais entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal, o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de exploração ou exposição sexual.
  2. Nos avisados considerandos da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, a pornografia infantil, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. É uma fenomenologia criminal em que não devem interceder considerandos de ordem cultural ou ideológica, nem haver espaço para a expressão de opiniões pessoais ou de coletivos refratários ao respeito pela dignidade e direitos fundamentais das crianças, universalmente reconhecidos.
  3. O bem jurídico protegido com a incriminação da «pornografia infantil» não se circunscreve ao desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. Protege não somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito de cada um e de todos os menores a um desenvolvimento físico natural e a gozar de uma infância e adolescência harmoniosas e sem traumas. Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância e o adolescente o seja em toda essa importante fase da sua formação. Estamos, por isso, perante um bem jurídico plurisubjetivo e coletivo que protege a indemnidade sexual, o bem-estar das crianças e adolescentes, a sua segurança formativa e a dignidade da infância no seu todo.
  4. A «pornografia infantil» – e estamos a cingir-nos às condutas que a materializam – prejudica, sem dúvida, a formação e o desenvolvimento da personalidade integral, incluindo a sexualidade do próprio menor – componente essencial da personalidade da pessoa humana -, mas também coloca em perigo, ainda que abstrato, o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do coletivo que está na idade da infância e da juventude, e que a sociedade entende ser igualmente importante e do interesse geral proteger.
  5. O legislador adianta as barreiras de proteção de modo a abranger o perigo inerente a condutas que podem fomentar quaisquer práticas pedofilias sobre os menores em geral (proibindo e punindo desde a posse, à difusão por qualquer modo, até comercialização de materiais ou conteúdos pornográficos de crianças meramente representadas) e também sobre menores concretos e determinados.
  6. As condutas que preenchem o tipo objetivo são multifacetadas. Grosso modo podem agrupar-se em atos de utilização de menores, atos de aquisição ou produção de pornografia de menores, atos de detenção ou acesso, e atos de exibição ou divulgação de pornografia infantil.
  7. Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas de acontecimentos que “roubam” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis. De modo que na al.ª b), incrimina o aliciamento da utilização de fotografias, filmes ou gravações pornográficas e a tentativa de obtenção destas modalidades de pornografia infantil.
  8. A parte final da alínea b) do n.º 1 do art-º 176º do Cod. Penal prevê e pune o que na terminologia anglo-saxónica se designa por «sexting»  (de sex e tenting) de adulto com menor/es, consistente em estabelecer contacto à distância e manter conversação com crianças, através da internet, do telemóvel, ou de qualquer outra tecnologia da informação e da comunicação, para, abusando da sua inexperiência sexual, a aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas dela própria ou de outras crianças.
  9. O sexting é o primeiro passo, a fase preliminar e preparatória daquilo que, regra geral. o agente criminoso adulto tem em mente: – ganhar a confiança da/o/as/os menor/es aliciada/o/s a fim de obter desta/e/s conteúdos pornográficos com atos sexuais explícitos e, seguidamente, concertar encontros para obter concessões de índole sexual. Situação incriminada no art.º 176º-A do Cód. Penal, que internacionalmente se denominado por «child grooming», (a ação deliberada de um adulto que pretende acossar e/ou abusar sexualmente de uma criança ou adolescente) através da Internet ou das redes sociais.
  10. Nas conversações mantidas através da internet ou das redes sociais ou de comunicação móvel, o adulto, quase sempre sob um perfil falso, tem como primeiro objetivo obter fotografias e/ou vídeos eróticos. Logo que ganha a confiança da/o menor e este lhe faculta ou comparte imagens com atos de conteúdo erótico, o «groomer» pressiona-a/o a enviar-lhe mais e mais e com atos sexuais explícitos ou dos órgãos genitais ou erógenos, e/ou pressiona-a/o um encontro físico e, se a/o menor não acede começa a chantagea-la/o, ameaçando-a/o com publicar as fotografias e os vídeos. Quando se produzem esses encontros forçados, o desenlace traduz-se quase sempre em abusos sexuais, não raro em violação, algumas vezes em desaparecimento e, até homicídio.
  11. A qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”.
  12. Inexistem quaisquer motivos que pudessem legitimar ou que possam racionalmente aceitar-se que o arguido, um adulto que até vivia em união de facto com uma tia da menor, pudesse utilizar fotografias de uma criança com 10/11 anos de idade, retratando-se após o banho, apenas vestida com cuecas, ou também uma fotografia do corpo todo e ainda do «rabo».

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Acórdão do STJ de 2 de dezembro de 2020, (processo nº 24555/17.1T8LSB.L1.S1), relatado por Fátima Gomes

Sumário:

  1. É incontroverso que a liberdade de imprensa, enquanto manifestação da liberdade de expressão e de informação é essencial ao funcionamento do Estado de Direito «como meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios do poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos e descriminação e defesa da “res publica”»” e tem, tal como o direito ao bom nome e reputação, inscrição constitucional, como decorre dos artigos 37º e 38º da CRP, sendo certo que a liberdade de imprensa «implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores»- 38º/2 al a) CRP.;
  2. Estando em causa dois artigos de natureza equivalente e onde se identifica um claro teor ofensivo: para além da animosidade espelhada, designadamente, na adjectivação, e sendo que num deles, à margem de qualquer demonstração, a R. imputou ao A. determinados factos cuja inverdade não podia razoavelmente ignorar e, objectivamente passível de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrir a honra e o bom nome do A., afigura-se que foi ultrapassado o direito à liberdade de expressão e de crítica
  3. Nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, importa um balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstracto).
  4. Neste sentido, a mais recente orientação jurisprudencial do STJ tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.
  5. Num quadro em que foram produzidas afirmações com animosidade e intenção ofensiva, cuja falsidade a R. não podia razoavelmente ignorar e sendo objectivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A., no domínio da vida privada deste, ponderando casos congéneres e as demais circunstâncias do caso, tem-se por adequado fixar a indemnização em € 25 000,00.

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Acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2020, (processo nº 5407/16.9T8ALM.L1.S1), relatado por João Cura Mariano

Sumário:

  1. O titular do direito de personalidade ao bom nome pode ser uma pessoa coletiva pública, como um Município.
  2. O bom funcionamento e democraticidade das instituições políticas, incluindo as que integram o poder local, como os Municípios, exige uma transparência na sua atuação e uma possibilidade de controle pelos munícipes que legitimam uma intensa liberdade de informação, discussão, divulgação e opinião sobre os atos dos seus órgãos representativos ou serviços.
  3. Daí que, em princípio, não só a divulgação de factos verdadeiros que reproduzam, revelem ou denunciem tais atos, mesmo que afetem o bom nome do Município, não poderão considerar-se ilícitos, estando fora do campo de previsão do artigo 484.º do Código Civil, como, sendo divulgados factos inverídicos, a prova da sua falsidade deve competir ao ente público, de modo a prevenir a hipótese de, por insuficiência de prova, alguém possa ser responsabilizado pela divulgação de factos verdadeiros.
  4. Numa matéria em que a transparência e a garantia do controle dos poderes públicos são exigências do Estado de direito democrático, a liberdade de expressão assume uma extensão máxima, comprimindo consequentemente o direito ao bom nome do Município.
  5. Nesta aparente colisão de direitos, o âmbito de proteção do direito ao bom nome é objeto de severa restrição, perante a amplitude que assume a liberdade de expressão, em obediência a um juízo de proporcionalidade.
  6. Na determinação dos limites entre estes direitos, não pode deixar de se atender à abundante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em casos semelhantes, sendo notória a preocupação deste tribunal internacional em garantir a liberdade de expressão, através da redução da área de proteção do direito ao bom nome.
  7. A mera atribuição de um facto inverídico a outrem não é, porém, suficiente para que se considere que estamos perante uma violação do bom nome da pessoa a quem foi atribuído essa falsa factualidade, sendo também necessário que a divulgação desse facto seja idónea a prejudicar esse bom nome.
  8. A área de proteção do direito ao bom nome nas pessoas coletivas públicas não abrange, pois, a divulgação de todos os factos inverídicos imputados a um Município, mas apenas aqueles, cujo grau elevado de danosidade, justifique, como última ratio, uma intervenção heterotutelar reparadora/sancionadora.
  9. Nestas situações, existe uma margem alargada de tolerância que retira do alcance dos meios de tutela dos direitos de personalidade, aquelas ações que não afetam num grau significativo o bom nome do Município, facultando o ordenamento jurídico outros meios de repor a verdade adulterada no exercício da liberdade de expressão (v.g. o exercício do direito de resposta previsto nos artigos 24.º e seguintes da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro – Lei de Imprensa).

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Acórdão do STJ de 21 de janeiro de 2021, (processo nº 140/08.8TAGVA-B.S1), relatado por Eduardo Loureiro

Sumário:

  1. O recurso de revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto.
  2. No termos do art. 451.º, n.º 1, do CPP, o «requerimento a pedir a revisão é apresentado no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista».
  3. A definição do foro competente para a recepção do pedido e para a tramitação de toda a fase rescindente preliminar regulada nos arts. 452.º a 454.º depende, assim e em última razão, da identificação da decisão revidenda.
  4. Havendo condenação por tribunal de 1ª instância confirmada por tribunal da Relação, a decisão revidenda é a sentença daquela instância, complementada pelo acórdão do recurso.
  5. Sendo, assim, competente para a recepção do pedido e para a tramitação da fase rescindente preliminar o tribunal de 1ª instância e não o da Relação.
  6. Na decisão revidenda, o requerente foi condenado pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 180.º n.º 1 e 184.º do CP, mas o TEDH considerou que a decisão do tribunal português não era necessária numa sociedade democrática e que houve violação do art. 10.º da CEDH.
  7. Deve ser autorizada a revisão, de acordo com a al. g) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, se a sentença vinculativa proferida por uma instância internacional for inconciliável com a sentença criminal condenatória proferida pelo Estado português ou se suscitarem dúvidas graves sobre a justiça da condenação.

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Acórdão do STJ de 18 de fevereiro de 2021, (processo nº 110/13.4PEBRR.E1.S1), relatado por António Clemente Lima

Sumário:

I – Não constitui prova proibida aquela recolhida, através de gravação de imagem, no interior da garagem em que o arguido acondicionava o produto estupefaciente que destinava à venda a terceiros, autorizada nos termos do disposto no art. 6.º da Lei n.º 5/2002.

II – Não suscita reparo a declaração de perdimento de veículo utilizado pelo arguido, como batedor, na transferência do produto estupefaciente, conforme o disposto no art. 35.º, do DL 15/93.

III – No quadro delitivo apurado, em que releva o manuseio de 210 kg de haxixe, durante três anos, em grupo, de forma organizada, sob liderança do arguido, consumidor de tal substância, com pretérito delitivo (também) por crimes de tráfico de estupefacientes, revelando acentuados factores de inserção familiar e laboral, a pena de 7 anos (a tanto se reduzindo a pena de 9 anos de prisão concretizada nas instâncias), na moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão, figura-se adequada e suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção, respeitando os limites da culpa.

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Acórdão do STJ de 25 de março de 2021, (processo nº 704/12.5TVLSB.L3.S1), relatado por Catarina Serra

Sumário:      

I – Incidindo o recurso subordinado da ré sobre questão decidida no mesmo sentido, sem fundamentação essencialmente diferente, pelas duas instâncias, ele só podia ser admitido por via excepcional, não lhe aproveitando, nesta parte, a admissibilidade do recurso independente.

II – Não decorrendo da decisão sobre a matéria de facto que a ré usou os meios de comunicação social para colocar na imprensa notícias que alegadamente causaram dano à honra do autor, não é possível equacionar a hipótese de responsabilidade civil por ofensa à honra.

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Acórdão do STJ de 7 de setembro de 2021, (processo nº 25579/16.1T8LSB.L2.S1), relatado por Fátima Gomes

Sumário:

  1. No caso, sendo de dar primazia ao direito à honra e ao bom nome do autor e estando em causa o tratamento ilícito de dados pessoais, assiste ao titular desses dados o direito a obter da ré, responsável pelo seu tratamento, o respectivo apagamento, nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 1 alínea d) e n.º 2, 7.º, alíneas e) e f), 12.º, alínea b) e 14.º, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de outubro de 1995 e nos artigos 5º, n.º 1n alínea d) e n.º 3 e 11º, alínea d) da Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP).
  2. A decisão do tribunal recorrido (que determina que a Ré deve remover e/ou a manter ocultos, no prazo de 15 (quinze) dias, após o trânsito em julgado desta decisão, todos os resultados de pesquisa gerados pelo seu motor de busca das páginas indicadas nos n.ºs 7., 11.a) e 12. dos factos dados por provados em III)-A.1, bem como a abster-se de indexar nas listas de resultados de pesquisas outras páginas em que o nome do Autor surja associado aos termos “rapist”, “sociopath” e “sexual predator”) não se apresenta vaga ou indeterminada, pois apenas determina a remoção de resultados de pesquisa que contenham o nome ou o nome associado a algumas palavras específicas, limitadas, no universo das pesquisas possíveis de serem realizadas, passível de ser tecnicamente implementado com soluções automáticas sem obrigação de vigilância permanente da Ré; não há aqui um dever geral de supervisão dos conteúdos que a Ré eventualmente aloje ou transmita, mas um dever específico, fundado numa concreta ordem judicial, conhecida efectivamente da Ré por via deste concreto processo judicial ou facilmente identificável a partir desta mesma decisão, o que é expressão do equilíbrio visado pela Directiva (cf. ainda art.º 15.º da Directiva do comércio electrónico, a ser aplicável à Ré – o que não é certo porquanto não estamos a falar da obrigação de remover conteúdos, mas apenas de não listar ou indexar; cf. o indicado acórdão do TJUE de 22.06.2021 proferido nos processos nºs C-682/18 e C-683/18 – Frank Peterson vs YouTube LLC e Elsevier Inc. vs Cyando AG).
  3. A limitação do âmbito de aplicação da Decisão recorrida no sentido de dever limitar-se aos conteúdos que sejam acessíveis no motor de busca disponibilizado em Portugal, ou seja, que terminem em “.pt” não é imposta pelo regime do Regulamento de Protecção de Dados, que tem aplicação em todo o território da União Europeia.
  4. Porque no caso dos autos a Ré nunca suscitou esta problemática antes do recurso de revista, não tendo alegados factos, nem se encontrando provados factos que permitam concluir que invocado direito a informar fora da União Europeia deve prevalecer sobre o direito ao bom nome do A., conduz igualmente a que se entenda que a decisão recorrida é de manter, ainda que a sua execução fora do território da união Europeia não possa ser assegurado com a efectividade aplicável a idêntica medida no quadro territorial restrito da União.
  5. A questão da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer deste processo se encontra já decidida – e transitada em julgado – de forma concreta e no sentido afirmativo, o que dispensa, sem mais delongas o tribunal de explicitar o ponto, por estar abrangida por caso julgado e não poder haver nova pronúncia sobre a questão.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de dezembro de 2019, (processo nº 10665/15.3T9PRT.P1), relatado por Cláudia Rodrigues

Sumário:

I – Não é ilícita a captação de imagens de videovigilância do sistema de CCTV colocado na receção de um estabelecimento hoteleiro, simultaneamente local de trabalho dos arguidos que aí exerciam, à data dos factos, funções como rececionistas, num local de livre acesso ao público, sendo visíveis e, por isso, do seu conhecimento.

II – A colocação dessas câmaras de vigilância apenas visa aumentar os níveis de segurança de pessoas e bens de quem ali se desloca, não podendo invadir de algum modo a esfera de privacidade das pessoas, posto que as imagens em causa retratam qualquer pessoa que se desloque ao aludido estabelecimento hoteleiro, numa utilização de vigilância genérica, destinada a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais, ao contrário de uma vigilância dirigida diretamente a uma pessoa em particular, não se encontrando os arguidos, no momento da filmagem, numa situação de privacidade ou de intimidade que não pudesse ser acedida por outras pessoas.

III – Sopesando o interesse no apuramento de factos com relevância criminal em contraposição com o direito à imagem no caso concreto, há que concluir pela preponderância do primeiro em detrimento do outro, pois que este não fica beliscado de forma intolerável ou desproporcionada, visto que não fica afetado o núcleo essencial de direitos de personalidade.

IV – Nada impede, pois, que tais imagens sejam utilizadas como meio de prova.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de abril de 2020, (processo nº 2201/19.9T8MAI.P1), relatado por Anabela Tenreiro

Sumário:

I – O desempenho da actividade informativa, pelos meios de comunicação social, assegura uma função social de escrutínio dos poderes públicos e contribui para garantir o pluralismo e transparência inerentes ao Estado democrático, dando a conhecer à opinião pública factos susceptíveis de interesse relevante.

II – O TEDH, seguido pelo TJUE, tem vindo a sublinhar que a liberdade de expressão/informação, que denominou de cão de guarda público (public watchdog), aplica-se não somente a informações ou às ideias que são recebidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes mas também àquelas que ofendem, chocam ou perturbam.

III – O intérprete nacional deve observar, na aplicação da lei, o consenso europeu democrático designadamente na matéria de conflito entre o direito à honra, bom nome e reputação e o direito de informar, sem restrições consideradas desnecessárias.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de janeiro de 2021, (processo nº    

22/19.8P6PRT.P1), relatado por Maria Joana Grácio

Sumário:

I – Qualquer testemunha, mesmo se tiver o estatuto de órgão de polícia criminal que participou na investigação do processo, pode depor em julgamento com ocultação de identidade e distorção de som e imagem, ao abrigo da Lei de Protecção de Testemunhas (Lei 93/99, 14-07), desde que verificados os requisitos previstos nessa Lei, designadamente no seu art. 16.º, e que tenha sido cumprido o contraditório legalmente admissível.

II – A prestação de depoimento por agentes da PSP nessas condições está ainda suportada pelo disposto no art. 19.º do Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública (DL 243/2015, de 19-10), que opera mediante autorização de dispensa temporária de identificação e de codificação da identidade por parte do Director Nacional da PSP, embora este mecanismo careça ainda de regulamentação através de portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.

III – Tendo algumas das testemunhas, agentes da PSP, prestado o seu depoimento no decurso da audiência de julgamento por videoconferência, com ocultação da identidade e distorção da imagem, após prestarem juramento perante juiz que presidiu a esse acto e acompanhou presencialmente a tal diligência, e tendo sido dada a possibilidade à Defesa dos arguidos de livremente as inquirir, ainda que tenha optado por não o fazer, mostra-se assegurada a realização do contraditório, de forma a garantir o justo equilíbrio entre as necessidades de combate ao crime e o direito de defesa.

IV – Tais depoimentos devem constituir um contributo probatório de relevo (art. 16.º, al. b), da Lei 93/99, 14-07) mas não podem fundar de modo exclusivo ou decisivo uma decisão condenatória (art. 19.º, n.º 2, do mesmo diploma legal).

V – O disposto no art. 43.º, n.º 5, do CPPenal vale apenas para os casos em que o juiz é recusado ou escusado e não também para as situações em que o pedido de recusa foi julgado improcedente, ainda que a Defesa tenha optado por não inquirir testemunhas após formular o pedido de recusa, por entender que tal diligência extravasava os limites previstos no art. 45.º, n.º 2, do CPPenal quanto aos actos que ao juiz recusado é permitido praticar.

VI – O direito à imagem é um direito com dignidade e protecção constitucional, sendo distinto do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, ainda que possam ser sobreponíveis, pelo que qualquer restrição daquele direito deve estar prevista na lei e limitar-se ao mínimo necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

VII – Nesta perspectiva se insere e deve ser interpretado o disposto no art. 167.º, n.º 1, do CPPenal, segundo o qual as captações e reproduções de imagens por meios fotográficos, cinematográficos ou por meio de processo electrónico de imagem só podem valer como prova dos factos se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, isto é, nos termos do disposto no art. 199.º do CPenal.

VIII – A protecção atribuída ao direito à imagem pelo art. 79.º do CCivil permite afastar a tipicidade do crime previsto no art. 199.º do CPenal, por dispensar o consentimento do visado, nos casos em que a imagem vem enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente, desde que inequivocamente integrada nesses contextos e deles não sobressaia ou se autonomize.

IX – A circunstância de o Código de Processo Penal nunca admitir positivamente o registo de imagem, contrariamente ao que acontece com as escutas telefónicas, revela que a regra (que salvaguarda o direito com protecção constitucional) é a da total exclusão de possibilidade de registo de imagem contra a vontade do visado e não o inverso.

X – Nesta perspectiva, o facto de uma imagem ser captada com vista à sua junção a um processo penal, ainda que ocorra num espaço público, não o torna atípico, nem essa causa se apresenta necessariamente como excludente da ilicitude;

XI – Entre as causas de justificação da ilicitude do facto típico do crime de gravação e fotografias ilícitas, permitindo a sua ponderação como meio de prova (art. 167.º do CPPenal), deparamos quer com aquelas que encontram tradicional consagração no Código Penal (como a legítima defesa ou o direito de necessidade), quer com a remissão para outras disposições permissivas do Código de Processo Penal (como os arts. 147.º, n.ºs 4 a 7, e 250.º, n.º 6), quer com as autorizações legais dispersas por diplomas avulsos (como a Lei 5/2002, de 11-01, a Lei 1/2005, de 10-01, ou a Lei 135/2014, de 08-09) que permitem a captação de imagens, admitindo-se, assim, a utilização desses elementos em sede de processo penal, como válido meio de prova, desde que as imagens sejam recolhidas de acordo com as finalidades de cada um desses regimes, impondo-se sempre essa ponderação em face da legislação específica, dos interesses em confronto e da unidade do ordenamento (direito nacional e comunitário).

XII – Se a captação de imagens por sistema de videovigilância ocorre a coberto da autorização legal e das finalidades prevista em legislação avulsa e cumpre as finalidades e pressupostos substantivos da permissão legislativa para o funcionamento do sistema de videovigilância, ainda que possa evidenciar falhas formais, como [in]existência de licença da CNPD, não se pode concluir pela ilicitude das imagens enquanto meio de prova.

XIII – Tal legislação avulsa surge como causa justificante da restrição do direito à imagem (autorização legal), restrição que se em concreto passou pelo crivo da autoridade judicial, ao ser avaliada e validada a junção aos autos de fotogramas retirados de sistemas de videovigilância em fase de instrução e depois em fase de julgamento (validação judicial), permite concluir que estes meios de prova, bem como os autos de visionamento dos mesmos, constituem meio de prova válido, já que a captação de imagens e as reproduções mecânicas desta se devem ter por lícitas para efeitos do disposto no art. 167.º do CPPenal, por ter sido justificada e, por isso, excluída a sua ilicitude.

XIV – Os OPC não beneficiam de uma autorização legal genérica, irrestrita e arbitraria para captarem imagens, ainda que para fins de investigação criminal – disposição que não existe no Código de Processo Penal –, pelo que são ilícitas as restrições ao direito à imagem por si praticados se não actuam ao abrigo de disposição legal avulsa e específica que permita essa conduta e não tenham passado pelo crivo da autorização e controlo judiciais.

XV – Mesmo nestes casos de prossecução de finalidades de investigação criminal, a restrição do direito à imagem não pode deixar de ser olhada como extraordinária e sujeita a um juízo de proporcionalidade e adequação que só um magistrado judicial pode emitir, limitações que devem, no mínimo, ser idênticas às relevantes para efeitos de escutas telefónicas e sujeitas a igual formalismo.

XVI – As fotografias realizadas pelo OPC como suporte das vigilâncias levadas a cabo em fase de investigação sem autorização e controlo judicial são ilícitas, não podendo ser ponderadas como meio de prova, nos termos do disposto no art. 167.º, n.º 1, do CPPenal.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de fevereiro de 2021, (processo nº 42003/20.8YIPRT-A.P1), relatado por Ana Paula Amorim

Sumário:

I – As operadoras de telecomunicações estão sujeitas a sigilo profissional em relação à indicação da morada do assinante, que solicitou a confidencialidade dos seus dados, sendo legítima a escusa em fornecer tais elementos ao tribunal.

II – Visando a informação solicitada tão só promover a citação pessoal da requerida/ré sem que tal procedimento possa afetar a confiança do público nos serviços de telecomunicações, nem a reserva de intimidade da vida privada, deve prevalecer o interesse público da administração e realização da justiça, dispensando-se o sigilo para este concreto fim.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de abril de 2021, (processo nº 2357/20.8T8MAI.P1), relatado por João Venade

Sumário:

I – A ação prevista no artigo 878.º, do C. P. C. exige que se prove uma ameaça ilícita a um direito de personalidade dos Autores ou a concretizada ofensa ilícita a esse mesmo direito.

II – Se duas câmaras de videovigilância, colocadas na fração autónoma onde os Réus habitam, não captam nem imagens do local onde os Autores habitam, nem som, não se mostra preenchida a necessária prova daquela ameaça ilícita ou ofensa ao direito de personalidade dos mesmos Autores.

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de outubro de 2021, (processo nº 2760/20.3T8PRT.P1), relatado por Paula Leal de Carvalho

Sumário:

I – Não é, designadamente nos termos do art. 20º, nº 1, do CT/2009, admissível a utilização, para efeitos disciplinares, de câmaras de vigilância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, em tal controlo se consubstanciando a utilização de tais meios para prova de que o trabalhador este ausente do seu posto de trabalho e da duração dessa ausência.

II – Face ao referido em I e para os efeitos disciplinares aí referidos, não é também admissível o depoimento de testemunha cujo conhecimento dos factos assenta na visualização das imagens obtidas pelos mencionados meios de vigilância à distância.

III – Dado os princípio da proporcionalidade e adequabilidade da sanção disciplinar, não consubstancia justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, segurança, que, durante o seu turno das 20h00 às 8h00 e durante cerca de 30 minutos (entre as 4h22 e as 4h50), joga, a partir do seu telemóvel, um jogo on line.

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